O MOTOBOY, O POLICIAL E FAULKNER

Radial Leste, embaixo do viaduto Guadalajara...

Pressa, a entrega é na Vila Matilde. Na volta, uma retirada na Lapa, onde Malagueta, Perus e Bacanaço começaram e terminaram aquela famigerada saga. O sol é impiedoso. Quando o semáforo fica da cor do astro rei, uma marcha é jogada para baixo, o freio faz a velocidade da CG diminuir e uma mão aponta para a esquerda (dele), indicando a abordagem.

Motoqueiros, são uns 20, 30, uma renca. Um gincho com umas 5 ou 6 motos assusta aqueles que não estão com tudo em dia. Uns insistem para serem liberados. Até lágrimas João vê descendo. "É meu sustento, senhor".

-Cidadão, boa tarde! Vira de costas pra mim, abre bem as pernas. Isso. Pode virar de frente. Documento da moto e habilitação. João Carlos? Só um momento, João Carlos, enquanto o policial faz a consulta. O que tem no baú?

-Minha mochila, uma agenda, um envelope de um cliente e meu livro.

-Livro? O que você tá lendo?

-"Enquanto agonizo".

-Você gosta de Faulkner?

Epa! Pera lá... esse motoca lê? Esse polícia conhece Faulkner? Agora ficou interessante. Ele disse que tinha lido "o som e a fúria" e "Absalão Absalão". João, "palmeiras selvagens". Falaram da complexidade da obra do escritor estadunidense, com uma estranheza no ar.

Veio outro policial com os documentos dizendo que estava tudo ok. O assunto se estendeu por mais alguns minutos, motociclistas eram abordados, o sol rachava e ele falou:

-João Carlos, você precisa trocar esse pneu traseiro, tá no limite. Sei que você é trabalhador e não vou te atrasar. Mas não vacila.

-Vou fazer isso. Bom trabalho e obrigado pela prosa inusitada.

-Vai com Deus!

Até o fim daquele dia de não sei de que mês de 2013 JC não pensou em outra coisa. Nunca mais viu aquele policial leitor de William Faulkner. SP e suas peças.