O cachorro que expulsou a morte

Tudo aconteceu muito rápido. A abordagem seguida do tiro certeiro bem no coração. Assassino foge sem levar nada. A vítima ficou lá, se esvaindo em sangue, estrebuchando, até não restar uma gota que fosse nas suas veias. Era o fim, ninguém para acudir naquela madrugada fria em Curitiba. Então apareceu um cachorro vira-lata. Adulto, com pelos puídos pelo descaso dos homens desde sempre. Ele procurava abrigo e alguma sobra de comida para calar o vazio do estômago. Quando viu aquele moribundo não entendeu bem o sentido de tanto sangue rodeando um corpo humano. Se aproximou e começou a lamber. Inicialmente meio desconfiado e pouco motivado, já que sangue nunca fizera parte do pouco que comia quando dava. Então foi tomando gosto pela coisa. Suas lambidas foram ficando mais aguçadas, numa sofreguidão de um faminto que se depara com banquete feito só para ele. Lambia com tal volúpia que a alma daquele homem, já fazendo suas malas para partir, resolveu não ir mais embora. O cachorro, com uma justiça que só os cachorros têm, fez mais do que se servir de todo aquele sangue que lá estava à sua disposição. Ele foi até o buraco provocado pelo tiro e arrancou a bala com seus dentes. O homem, já meio morto, nem se deu conta disso. E fez mais. Depois de tomar todo o sangue, se deitou ao lado do homem e morreu. Mas seu corpo antes de começar a esfriar serviu para aquecer o corpo daquele homem, chamando de volta a vida que estava esvaindo de vez. Então ele, o homem, foi pouco a pouco retomando os sentidos. Abriu os olhos e viu o cachorro morto ao seu lado. Algo lhe chamou a atenção. O cachorro sorria. Tinha indo para a eternidade com a absoluta sensação de dever cumprido. E feliz como nunca imaginou poder ficar algum dia.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 16/09/2018
Reeditado em 16/09/2018
Código do texto: T6450079
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