Ansiedade: Então Respeite a Minha Frescura
E de repente eu acordei. Meus olhos instintivamente foram até o relógio de parede com a bandeira de Portugal ao fundo, bem acima da tv da minha cômoda. Eram três horas da manhã, e o forró ainda comia solto, no último volume, lá no bar da esquina da minha casa. Mas não acordei por culpa do barulho. Eu acordei com um impacto. Como que um susto. Mas eu não lembrava o sonho que me motivara a acordar daquela forma tão brusca.
Sentei na cama. E eu estava cansado. Parecia que eu tinha corrido por quilômetros, fugindo de algum monstro que me perseguira na infância, saído de algum filme de terror. Mas eu também não conseguia lembrar qual monstro eu estava tentando me lembrar. Tentando me tentar me lembrar... Confuso isso! Mas era assim que eu estava. Em meio a uma confusão estranha, sem saber o que temia. Mas eu ali, naquele momento, ainda encarando o relógio como que enfeitiçado, sentia... Medo.
O suor começou a descer pela testa e ser absorvido pela minha barba, há tempos por fazer. Olhei para minhas mãos, e puder ver que estavam trêmulas, como se eu tivesse carregado peso por muitas horas, e agora meu corpo pedia arrego. O coração então disparou. E minha boca, como que por sucção, tornou-se seca. O barulho na fora parecia mais alto, assim como o som dos carros na avenida lá fora, os pingos d’água na pia que vivia quebrando na cozinha, e o ronco do meu pai na sala, após dormir no sofá assistindo sua série que nunca acaba.
Levantei-me. Sonolento. Cambaleante. Assustado.
Parei diante do espelho do banheiro, que além de refletir minha cara de cansado, e minha calvície cada vez mais relevante, também refletia, lá no fundo, a tv ligada na sala. Eu estava abatido. Três da manhã, após dormir aparentemente bem, e lá estava eu. Respirei fundo. Expirei e respirei de novo. Eu só conseguia sentir meu coração saltitar dentro da minha caixa torácica. O medo do invisível. O medo do sei lá o que fosse. Eu não estava bem. E de repente... A dor na nuca. A lancinante dor na nuca. E o coração parecia querer sair do peito...
“É ela!”, pensei. Assim como pensei em milhares de coisas em milésimos de milésimos de microssegundos. Estou morrendo!... Estou enfartando!... Estou com um tumor!... Não paguei a internet!... Não tomei o remédio do colesterol?...Esse forró lá fora não acaba nunca!... Minha mãe pode estar precisando de mim?... Preciso voltar a correr!... Preciso procurar mais meus amigos!... Mês que vem procuro outro emprego!... Mas se eu morrer, como vai ficar meu sobrinho?... Será que já depositaram meu dinheiro?... Mas e se eu não conseguir sucesso?... No primeiro ano, eu devia ter dito à Joana que eu era apaixonado por ela!... Será que ovo faz mal pro colesterol?... Será que tô morrendo?... Vou morrer sem ser reconhecido!... Preciso procurar um emprego!... Será que tô enfartando!... Que porra de dor na nuca é essa?...Será que tô morrendo?... É ela... Só pode ser ela...
Então nove letrinhas começaram a surgir diante dos meus olhos como que um protetor de tela de Windows XP. Elas sambavam diante de mim, invisíveis aos outros, mas estava indo flutuando até o espelho. Elas foram se juntando, em ordem. Primeiro o A... Ah, todas maiúsculas e vermelhas, beeeeem vermelhas... Primeiro o “A”, então o “S” e o “N” começaram a bater um no outro, até que assumiram seus lugares. O “I” e o “D” vieram lado a lado, assim como um par de “E”, que pareceram se despedir, e seguiram para seus lugares harmoniosamente. Um outro “D” se espatifou contra o espelho quase desarrumando o resto dos irmãos, e por fim, o primeiro “A” começou a tremer, e se dividiu em dois, como que por mitose! E PRONTO! Lá estava! Minha mente criando gráficos em 3D flutuantes, para me lembrar do que eu esquecia. Mas é como diz a música “O Vento” do grupo Los Hermanos: “O esforço pra lembrar, é a vontade de esquecer!”. Eu estava tentando esquecer dela. Eu estava tentando “Não Pensar!”, como muitas pessoas diziam para mim quando eu contava sofrer de TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada”. Mas ela é mais forte. E sabe a hora que vem. Como um vírus. Ela quer sua fraqueza. Ela quer seu desânimo. Ela quer você com ela. E a tal da A-N-S-I-E-D-A-D-E estava chegando.
E sim! Ela chegou! Por fim eu acabei tomando um remédio para enjoo que me “dopou” e eu peguei no sono. Na manhã seguinte, acordei com o corpo dolorido ainda. Como se eu tivesse feito exercícios após meses parado. Como se eu tivesse, sei lá... Com dengue! Doía tudo! Os ombros pesados, os pensamentos acelerado, a sensação de morte iminente ali. E dentro de mim, no fundo do meu inconsciente ou subconsciente, uma batalha era travada entre pensamentos positivos e negativos. O diabinho de um lado, o anjinho do outro. “Você vai ficar bem!”... “É passageiro!”... “Você tá morrendo!”... “É seu coração!”... “Chegou sua hora!”... “Você tá morrendo porque roeu unhas demais!”... “É tumor!”... “Você tá possuído!”... “Você vai ficar sozinho para sempre!”... “Você vai ser feliz!”... “Respira fundo, cara!”... “Vai passar! Sempre passa!”... “Você vai morrer novo!”... “Você é especial para muitas pessoas!”... “Busque ajuda!”... “Dê olá para a morte!”... “É FRESCURA!”
É FRESCURA! É FRESCURA! É FRESCURA! É Fres...
Frescura. A palavra que me assombrou por anos. Ansiedade era falta de coisa pra fazer. Ela falta de Deus. Era falta de carinho em casa. Era frescura. Ansiedade nunca foi e nunca será frescura. Ela é um ótimo mecanismo para que sejamos coerente e cautelosos em nossas escolhas. É natural. É um... um... Esqueci a palavra... É um MECANISMO DE DEFESA! ...Lembrei!... Mas em algumas pessoas ela é além. Ela é um medo de sabe-se lá o que. É um medo seguido por uma lacuna, que na hora do medo você pode colocar qualquer coisa! Inclusive monstros fantasiosos. Inclusive... a morte! E isso não é frescura. Isso leva à depressão, que graças a Deus, ou aos meus hormônios e neurônios, ainda não me foi permitido... Ainda...
E de repente eu acordei. Meus olhos instintivamente foram até o espelho do banheiro. A tv ao fundo estava desligada. O forró lá fora continuava pesado, mesmo que com um volume ridiculamente mais baixo. E a palavra “frescura” estava desenhada a dedo na condensação do vapor da água quente da torneira. Eu estava mais calmo após uma reflexão interna que durou sabe-se lá quanto tempo. E escrever sobre certas coisas ajudou a mim, assim como ajuda milhões ou bilhões de pessoas no mundo, pelo menos “esquecer” os pensamentos. Conversar também pode ajudar. É só ter paciência e não julgar aquele ansioso em crise. Mas, se você acha que ansiedade é frescura. Então peço apenas que então respeite a minha frescura! Por favor, apenas respeite. Não vai te fazer uma pessoa pior, não vai nem influenciar.
Eu pisquei diante do espelho e respirei fundo. Pude ouvir meu coração bater forte contra meu peito. Ela parecia ter ido embora. E então, desde então, eu fico sempre receoso, sabendo que a todo instante, a cada momento de dúvida ou fraqueza, ela pode entrar sem bater na porta. E então, como sempre, eu voltarei a ser... FRESCO.
Fim?
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