Fila e sistema

Há enganos que nos custam caro. Alguns levam-nos até a vida, desses em que um habitante e confundido com outro por se assemelharem nas circunferências e etnia e acaba pegando cadeia ou, em casos severos, sofrendo danos físicos... Mas a boa notícia é que esses casos graves são exceção. Comuns mesmo são os equivocos que nos levam a enrubescer ou ao riso e no pior dos casos, à exposição pública. De qualquer modo, é alívio quando o engano é de pequena monta, que assim escapamos das grades e de avariações no corpo.

Ele pleiteava pagar sua conta de luz. Dirigiu-se ao guichê:

- Moço, aqui paga?

- Paga.

- Onde é a fila.

- Fila? Que fila? Tem mais fila não. O mundo tá moderno. Agora é na senha.

- Senha?

- Senha. É naquela máquina ali.

O moço aponta para a máquina que despeja papel numerado e o cliente se dirige ao aparelho; e quando chega, pergunta.

- E agora?

- Coloque o polegar na tela. Ela vai te reconhecer e parir um pedaço de papel com um número. Aí é só esperar, olhando para aquela televisão ali, quando aparecer o número que tá impresso no teu papel, é porque é tua vez. Agora é só aguardar sentado nos nossos confortáveis bancos e não conchilar, para não correr o risco de perder a vez. Alguma dúvida?

- ... É... Não, não.

O cliente segue para as cadeiras do ambiente, coloca a senha no bolso, meio que tonto com tanta informação e descofiado que entrou no lugar errado; senta-se e posiciona as retinas à tela. A máquina começa a convocar seus convidados. Ele levanta-se, tira o papel do bolso, vai até o guichê:

- Moço, qual meu número?

- O senhor é o 15.

- Vai demorar?

- Talvez. Vai depender do sistema, sabe, se não sair do ar...

-Tá certo.

Ele retorna, senta-se, olha o relógio, suspira; começa a entabular conversa sobre política com número o 14. A conversa, inicialmente amena, esquenta-se; há elevação de voz, gestos largos e é preciso o moço do guichê pedir silêncio. Depois de certa hesitação, ambos concordam e a rotina segue, um tanto manchada por aquele confrito interpessoal.

Ambos silênciam e, logo depois, o 14 é chamado e atendido. Ele sai da repartição desculpando-se pelo estrondo provocado ao 15 e prometendo não mais falar sobre política com estranhos. O 15 aceita as desculpas, mas não sem antes fazer uma simpática careta. E então chega sua vez.

Dirigi-se ao guichê, entrega ao atendente a conta de luz e o moço, sincero e risonho, lhe diz:

- Eita, nobre homem, o sistema saiu do ar.

- Verdade?

- Não. Rsrsrs...

- Kkkk.

O cliente paga a conta e o riso do atendente com um ''Obrigado e tenha um Bom Dia", pagamento dos mais valorosos, convenhamos.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 15/09/2018
Reeditado em 15/09/2018
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