Benditas lições na falta da grana
De repente, acabou o dinheiro. Na qualidade de chefe de família. essa situação era destruidora. A esposa teve que bancar os custos da casa e da família na integridade por certo tempo, até ele poder voltar a prover com recursos a parte que lhe cabia. A situação potencializou problemas que sempre existiram, mas que agora, com a falta do din-din, ficaram insustentáveis. Ele nunca teve dinheiro a rodo, mas sempre conseguia algum com seu trabalho. Quando não conseguia, o cheque especial quebrava o galho, fazendo com que se enrolasse em dívidas eternas com o banco - outra triste faceta de uma performance que, de tempos em tempos, repetia essa cena. Era um batalhador, fazia sua parte, mas a situação capenga da economia do país atropelou seus ganhos, como fez com o de milhares de outras pessoas. Resultado: acabou sua grana geral. Ficou meses assim, sem um centavo para pegar um ônibus ou tomar um mero café no bar. Teve que reorganizar sua vida para tocar o barco com recurso zero, já que se constrangia de pedir dinheiro para a esposa a toda hora, já que ela estava segurando sozinha a barra, com tremendo contragosto, é claro. Os filhos, antes recebendo semanada para seus gastos principalmente de lazer e o mais velho toda semana tendo o necessário para abastecer o carro e ir à faculdade, se distanciaram dele, pedindo abrigo nas asas da mãe. Achavam esquisito (e era mesmo) ver o pai trabalhando exaustivamente (ele fazia suas coisas em casa, porque não tinha como pagar outro local) e estar sempre duro. Mas ele sabia que, mais hora, menos hora, o dinheiro voltaria a aparecer. Teve que mudar alguns hábitos para reverter a penosa situação, como se organizar, planejar o trabalho, tratar melhor seus clientes (tem negócio próprio há vários anos) e encontrar um caminho para ganhar dinheiro no meio daquele furacão. Rezou até pedindo ajuda a Deus, coisa que não fazia há séculos. Foi então que constatou que para ganhar muita grana tinha que começar ganhando pouca grana. E assim, progressivamente, aumentar o bolo de suas receitas até que ficassem mais robustas, com a frequência necessária. E montar uma rede de canais, composta por pessoas que iriam gerar negócios para ele na sua área, e assim geraria a capilaridade necessária. E assim fez. Começou com um, depois outro, depois mais outro... Sabia que quando voltasse a poder bancar as coisas que fazia antes, teria os filhos e a esposa de volta ao seu lado. É incrível reconhecer como o dinheiro faz diferença numa relação familiar e o quanto interfere nos sentimentos, emoções e, sobretudo, na autoestima. Sem grana ele era um zero a esquerda, um inútil, um merda na absoluta concepção da palavra. Já se tivesse sucesso profissional (subentendendo que o dinheiro estava entrando), ocuparia o seu lugar ao sol e poderia exercer o papel que lhe cabia junto aos demais. A experiência dessa estiagem de vários meses, com sua carteira 100% vazia, fez entender a regra do jogo com uma verdade agigantada, clara como o ar que respira. Essas lições que a vida nos dá são impagáveis. Ainda bem, porque se fossem pagáveis, o cara não teria como tê-las enquanto perdurasse aquele cenário de penúria que parecia não ter mais fim.