Quando pai e filha se estranham para sempre

Ele amava a filha com todos seus poros. Um amor incondicional, sem presilhas e nem rebarbas. Um amor que se agigantava a cada milésimo de segundo, se amontanhando como algo que superaria os limites dos céus. Aquele ser querido era muito especial na sua caminhada de vida. Filha caçula, ocupava ao lado do irmão o topo do podium dos sentimentos mais espessos, mais inquebrantáveis, mais divinos. Só que esse amor tão sublime foi se desgarrando da praia original. O respeito cedeu lugar ao desprezo. O querer-bem deu sua vez à ojeriza. O amar, no seu semblante mais harmônico, foi embora e deixou entrar uma putrefata gosma que nem nome mais tem. Pai e filha jogaram no lixo as pétalas de ternura que se diziam parrudas, guerreiras, perpétuas. Hoje filha e pai são opositores da mesma querela, versos quebradiços de uma relação que mofou, quebrou, virou enojado pó. Pai e filha atiraram seus DNAs comuns na privada do desdém e deram a descarga com gosto, com gana, com intrépido gozo. Filha e pai não mais se incluem na categoria de família, viraram seres sem referência que esqueceram a quem vieram. Por falta de opção disponível, ainda transitam no mesmo "lar", compartilham do mesmo ar, acabam se trombando quando, contrariados, seus caminhos se cruzam. Trancaram o amor do passado num baú de aço e o atiraram nos confins do oceano, para nunca mais virem à tona. Um fugiu do outro com tal verdade, tal desprendimento, que nada mais restou do que, certo dia, poderia ser rotulado de puro afeto. Perderam sua vez de construírem algo bom que perdurasse. Agora nem cabe mais lamentar, ou chorar: a lei é tocar a bola pra frente e esquecer o que está lá atrás. Bem longe, lá atrás, bem longe. Bem longe mesmo.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 13/09/2018
Reeditado em 13/09/2018
Código do texto: T6447655
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