Em terra estranha
- Oi, meu irmãozinho!
A voz do haitiano me saúda em tom maior, sinal evidente de alegria ao rever o seu freguês. Sua solidão, depois da labuta diária, deve ser enorme: saudade da terra natal, saudade da família, saudade dos amigos. “Em terra estranha, entre gente, que alheios males não sente, nem se condói do infeliz”, como diria Gonçalves Dias. Porém, qual seria o nome dele? Jean Claude, Jean Pierre, Jacques, Marcel, François, nomes franceses, pela herança colonial? Poderia ser também nome brasileiro, pasmem vocês: Romariô, por exemplo, tornou-se comum a partir da Copa do Mundo de 94, ganha pelo Brasil nos Estados Unidos. E também Bebetô, Leonardô e muitos outros nomes oxítonos ao gosto do idioma francês, perpetuado no “créole”, língua oficial do Haiti, de base francesa. Porém, senhores, nenhuma das alternativas é correta. O nome dele é Robenson, influência dos vizinhos norte-americanos.
Pois nosso Robenson, todas as manhãs, lá está oferecendo chipas no semáforo, caminhando entre os carros, simpático, saudando uns e outros. As chipas, por sinal, são muito gostosas. Chipa, grosso modo, é o pão de queijo paraguaio, segundo os apressados de plantão, porque nem de queijo é feita. A semelhança é só na popularidade do alimento. A chipa (pronúncia “tchipa”) é feita de polvilho, basicamente, embora muitas novidades estejam se sobrepondo à receita tradicional.
Permitam-me outra pequena digressão para lembrar que a chipa no formato redondo pode ser também uma arma num campo de futebol no Paraguai. Numa Copa Libertadores, onde houve jogos de equipes brasileiras em Ciudad del Este, vi torcedores comprando chipas, redondas e macias no início da partida, prêt-à-manger, e duras e ameaçadoras ao final do prélio. Ideais, segundo os entendidos, a se transformarem em discos-voadores na cabeça de bandeirinha, juiz, jogadores e torcedores do time adversário. Nada contundente, nada que leve ao pronto-socorro, só pura molecagem mesmo.
Voltemos outra vez ao haitiano e seu país, que também conheci. O Haiti foi a primeira colônia da América a declarar sua independência. Essa liderança, evidentemente, não lhes trouxe benefícios. Antes do terremoto de 2010, a situação do país era crítica, o país já era o mais pobre das Américas. O ambiente arrasado, a seca constante, a baía de Porto Príncipe totalmente contaminada com lixo e esgoto urbano, tudo convergiu para tornar o país um polo de emigração.
E o Robenson haitiano? Por que razão terá vindo para o Brasil? Terá sido por causa do terremoto? Por causa das recorrentes perseguições políticas? Pela constante crise econômica? Por causa do ambiente arrasado? Por alguma ou por todas as razões, o certo é que esse rapaz está ali na esquina vendendo chipas, vestido de branco, chapéu na cabeça, sorriso constante, faça chuva ou faça sol. Quem será?
Especulações à parte, a ilha desse Robenson haitiano é uma cidade, Foz do Iguaçu, num país enorme chamado Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes. Mas sem calor humano, sem apoio de pelo menos um Sexta-Feira, estará tão solitário quanto seu xará da ilha deserta. De minha parte, faço o que posso: compro um pacote de chipa, pago e dou-lhe um dedo de prosa, enquanto aguardo o sinal verde. Quando o carro arranca, ele já está na calçada, afastando-se do fluxo de veículos, e acena de longe. Agora, Robenson conhece alguém que esteve em sua cidade, em seu país. Na “terra estranha”, conheceu gente que já passou pela mesma solidão. Robenson já tem, pelo menos, um Sexta-Feira com quem conversar no intervalo do corre-corre urbano. Por isso a saudação calorosa, agradecida, que ouço em meio ao roncar dos carros e o alarido das buzinas impacientes:
- Oi, meu irmãozinho!