A garota - IV
E foi na escola que a garota se agarrou. Amava a professora, as carteiras, o lápis, a cartilha Caminho Suave, encapada com plástico amarelo. Gostava do cheiro dos colegas, crianças humildes e com casas em ruas de enchentes fáceis e inoportunas. Sofria muito quando algum colega era humilhado por não saber fazer bem um desenho ou uma conta de somar.
A primeira lição: “A pata nada” abriu espaço para a independência que, um dia, viria com certeza.
Viria sim. Queria aprender logo, saber mais, aprender a recortar e a pintar... foi indo, foi indo e aprendeu que a “girafa tinha o pescoço comprido” e que o número 7 tinha um cinto amarrando a sua calça.
Foi logo no primeiro ano, apertando tão ferozmente o lápis entre os dedos, que um calo dolorido demais apareceu ali e ficou para sempre.
Como se a menina dissesse: “esse lápis, esse aprender, é meu e vai, um dia, me fazer virar pessoa e não fazer coisas tão erradas como dizem”.
Ler e escrever seriam compensação ao só fazer errado. Seria uma marca diferencial. Uma maneira de se tornar pessoa.
Logo nos primeiros dias de aula aprendeu a dividir o lanche com os coleguinhas pobres.
E percebeu que poderia fazer alguma coisa certa.