ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - DEUS E O DIABO NA TERRA DO ACARAJÉ

ANTONIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES; hoje, 20 de julho de 2007, o Brasil se despede de um dos seus mais polêmicos políticos; amado por muitos e odiado por tantos outros, ACM, como era chamado, morreu em São Paulo de complicações cardíacas, a 44 dias de completar 80 anos.

ACM foi um político baiano que esteve em evidência no cenário político do estado da Bahia nas ultimas décadas. Foi membro da União Democrática Nacional, quando eleito Deputado Estadual ainda em 1954. Eleito Deputado Federal para os mandatos de 1958 e 1962 e daí em diante, participou ativamente do regime antidemocrático ditatorial, sendo um dos articuladores da Revolução de 1964. Em 1966 foi reeleito Deputado Federal já pela ARENA e em 1967 foi nomeado Prefeito de Salvador.

Também foi Governador da Bahia por três mandatos; Ministro das Telecomunicações no Governo Sarney e Senador da República desde 1995. Era tido como um político influente, apesar de ter se envolvido em escândalos de grandeza máxima como a fraude do painel de votação do Senado e os grampos telefônicos ilegais na Bahia que monitoravam pessoas tidas por ele como seus inimigos. Ao ver-se envolvido em escarcéus, sempre dizia estar agindo em favor do povo da Bahia.

Na década de 90 a Revista Playboy publicou uma matéria assinada pelo brilhante Gilberto Dimenstein, cujo título era “Deus e o Diabo na Terra do Acarajé” e mostrava parte da vida deste político polêmico e incontestavelmente, guerreiro. O próprio Dimenstein não sabia dizer se amava ou odiava ACM. Se por um lado ele agiu em nome da ditadura militar, do outro, relatos provavam que também brigou para que ocorresse a primeira assembléia da União Nacional dos Estudantes Universitários depois da clandestinidade, inclusive tendo cedido o Centro de Convenções da Bahia para ser palco de tal encontro e garantindo total segurança aos participantes.

Era chamado de Toninho Malvadeza pelos adversários, por conta de suas constantes ações repressoras contra a oposição e Leão da Bahia pelos asseclas e admiradores. Viu seu poder começar a despencar nos últimos anos após as seguidas derrotas nos que era chamado de “seu curral eleitoral”. Primeiro perdeu a Prefeitura de Salvador para o filho de um dos seus maiores desafetos, João Henrique Barradas, e depois o Governo da Bahia para um nome desconhecido e sem brilho. Sofreu outra derrota importante no Senado quando viu o pai do Prefeito de Salvador, o ex Governador da Bahia João Durval Carneiro, ganhar uma cadeira no Senado com muita facilidade. Na ocasião da eleição do Senado, ACM chegou a gravar programas de rádio e TV, informando ao povo da Bahia que “votar em seu candidato era como se votasse nele mesmo”.

Falar de Antonio Carlos Magalhães é como escrever um capítulo da história da Bahia e são muitos os fatos e mitos que sempre envolveram o político linha dura e conservador. Um dos fatos verídico era de jamais usar a cor marrom e também de jamais receber alguém em seu gabinete que estivesse usando a cor em qualquer que fosse a peça de indumentária; e o mito mais forte era de que ele teria mandado matar seu genro, Juca Valente em 1975 e de ter mandado sumir com o corpo, fato desmentido por ACM.

Foi inimigo até a morte de Waldir Pires, hoje Ministro da Defesa e ex-Governador da Bahia. ACM tomou birra de Waldir Pires porque ele derrotou seu candidato ao governo do estado com mais de 1,5 milhões de votos à frente e pelo mesmo ter “abandonado o estado da Bahia”, palavras de ACM, para concorrer a Vice-Presidência na chapa de Ulisses Guimarães e deixando o destino do estado nas mãos do pecuarista Nilo Coelho, na época, Vice-Governador. Num dos rompantes de ACM, declarou na imprensa que Nilo Coelho havia reinventado o sistema métrico, declarando que Nilo afirmou ter feito 5 mil km de estradas, enquanto na verdade, eram 3,5 mil km; os outros 1,5 mil km de estradas, segundo ACM, foram destinados às propinas, comissões e rateios entre políticos do PMDB da Bahia e empreiteiros.

No meu pouco período em que estive nos bastidores da política da Bahia, certa vez, estávamos esperando o então Governador ACM no aeroporto de Castro Alves, cidade do recôncavo baiano, para irmos todos em comboio para outra cidade e quando o avião do Governo do Estado taxiou junto com outras três aeronaves, um carro esperava por ACM. Ele acenou para o povo e entrou no veículo, quando um deputado federal sentou-se ao seu lado e o Prefeito da cidade, tomou assento no ultimo banco. Com o carro em movimento, ACM ordenou que o deputado saltasse os bancos e fosse para o fundo pois ele queria ao seu lado o prefeito. Foi uma das cenas mais humilhantes que eu já presenciei.

Nos encontramos outras duas vezes, por mero acaso e na ultima vez em que estive com ACM, durante uma Lavagem do Bomfim e naquela ocasião, Paulo Souto era o Governador. Primeiro, chegou o Governador e o povo aplaudiu, gritou, mas não foi necessária tanta segurança para Souto; mas quando da chegada de ACM, parecia que John Lennon havia ressuscitado e chegado na Bahia. Eu jamais havia participado de uma solenidade tão expressiva onde alguém fosse tão aclamado como ACM naquele dia.

Em 2000, ACM foi protagonista de uma série de troca de ofensas com seu então colega Jader Barbalho, na época, Presidente do Senado, tal rixa culminou na renuncia de ambos dos mandatos de Senador, já que as recíprocas acusações foram comprovadas, mas o fato é que somente Jader foi preso e algemado.

Dizia ACM que durante o evento do enterro de JK, alguns membros do Exército ligaram para ele e o Gal. Golbery do Couto e Silva MANDOU ACM FICAR EM CASA. Sua reação para aquela ordem foi uma ligação para Golbery, informando-o que ele iria ao enterro de JK e que também iria ao seu enterro (de Golbery). Fato ou mito, ACM realmente foi a ambos os enterros.

O político morreu hoje, mas com certeza para boa parte dos baianos mais humildes, acaba de nascer um santo. Na política, ACM que perdeu sua grande esperança de perpetuação familiar com Luis Eduardo Magalhães, morto em 1998, deixou apenas o neto e Deputado Federal, ACM Neto. O restante da família se divide em administrar o patrimônio sólido e grandioso que está entre gráficas, jornais, rádios, emissoras de televisão, construtora e outros negócios.

Sem nenhuma sombra de dúvida a Bahia perdeu hoje uma espécie de amuleto. Em vida, é incontestável que ACM sempre levou para o seu estado os melhores investimentos do orçamento federal e na época que ele era tido como a primeira fonte jornalística do país, sempre usou isso em favor do estado e destinou todos os holofotes para aquela região. Nos governos liderados por ACM a Bahia disputou palmo a palmo a liderança do turismo brasileiro com o Rio de Janeiro, destacou-se na agricultura, pecuária e brigou muito pelos incentivos federais e empresariais, como a implantação de uma montadora de veículos; que aconteceu através da Ford.

Assim como ocorreram os milagres econômicos também aconteceram os pecados sociais. O semi-árido da Bahia jamais ganhou destaque e o desemprego e analfabetismo cresceu a pontos assustadores, mas a moldura deste quadro sempre foi de luxo, sobretudo para quem visitou o estado, mas a tela estava sempre desgastada.

Se existe céu e inferno, há esta hora os demônios e anjos estão brigando para ver quem fica com a alma de ACM; com certeza, onde quer que ele estacione seu ectoplasma eterno, haverá uma boa disputa; uma boa eleição, com direito a tribuna, choros, ofensas e ironias.

Adeus Antonio Carlos Magalhães...

Texto: Carlos Henrique Mascarenhas Pires – Jornalista MTB 12.427/MG

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