O que você quer ser quando crescer?
 
 
  • Inspirada na crônica de Lilian Vargas.
 
 
 
Essa pergunta, na atual sociedade hi tech,  não tem resposta definida. Mas, ao ler esse título, lembrei-me de Machado de Assis em seu brilhante conto sobre “O medalhão” e através de sua leitura, talvez, possamos descobrir o que não queremos para nossos filhos.  Nunca vi algo tão contextualizado para os nossos dias.

Janjão estava completando vinte e um anos  de idade, quando seu pai resolve dar- lhe conselhos de como ser bem sucedido.  Para tanto,  ele deveria aspirar ser um “medalhão”, um cargo de prestigio na sociedade.

A sociedade descrita por Machado coloca a aparência acima do ser. Para ser bem - sucedido não se pode ter ideias próprias, qualquer atividade que envolva o movimento independente do intelecto deve ser refutada. 

Deve-se submeter ao pensamento  alheio, se dobrar diante da tradição, repetir frases feitas; respeitar as “convenções consagradas pelo tempo” pouco importa se certas ou erradas;  nada de modernidades, a sociedade despreza a originalidade; deve-se buscar a estabilidade evitando-se  a crítica, pois esta gera desconforto e  agride os valores; o trabalho não será reconhecido se não houver publicidade, pois não se valoriza o que é feito, mas o que aparenta ter sido feito; portanto, aconselha-o a dar jantares e festas, e  fazer divulgação disso, mesmo que por motivos insignificantes, todos o admirarão e  será reconhecido. Nessa sociedade, o conteúdo não importa, tão pouco o mérito do ato, basta  sua aparência.
 
Continua ainda,  exortando-o a não se envolver em querer mudar as coisas na política, com estudos científicos e discursos que fazem pensar – coisas racionais; deve usar somente a emoção e o apelo às coisas conhecidas. E,  fecha com chave de ouro:

”Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória.
(...) proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc.”
 
 
Ainda alertou o filho de que não deveria usar de  “ ironia”, isso faz com tenham que pensar para entender, faça humor de forma direta. Que aula Machado nos deixou! Parece que ele era meu vizinho de tão atual sua percepção sobre a sociedade brasileira.
 
O que dizer para meu filho?
 
  - Filho, não queira ser um medalhão, pois temos um monte  de Janjões por aí repetindo as ideias dos outros,  postando besteiras por meio do ctrlc + ctrlv nas redes sociais, e a cada curtida, eles se convencem que são os donos  da verdade e,  de repente, se tem uma quantidade absurda deles, pois se multiplicam geometricamente. Vivem de aparências, buscando parecer ao invés de ser, e  ao final, serão premiados, não por mérito, mas por seus pares numa sociedade hipócrita, que os acham os “medalhões” os “fodões” do pedaço.
 
Nossa sociedade não mudou desde Machado, pois o remédio para os Janjões é educação de qualidade, mas como ter isso se devemos formar novos Janjões a cada ano?
- Mãe, o que você devo  ser quando crescer?
- Qualquer coisa meu filho, só não seja um Janjão!