Leão de chácara

Já passava dos dezoito quando fui apresentado à classe média. Até então costumava ver como ricos todos aqueles que tinham carro, mesmo que fosse usado; era meu sonho de consumo já que meu pai nunca teve um.

De repente lá estava eu, convivendo com gente que falava em viagens, viagens de carro, viagens de avião e até viagens para o exterior.

Nesta época comecei trabalhar num emprego cujo produto tem alto valor agregado. Alguns clientes chegavam discretos, outros faziam questão de andar com um segurança, geralmente recrutado nos efetivos da policia militar e principalmente da civil. Não eram apenas os comerciantes de metais nobres que eram fissurados em segurança, toda classe média paulista era, a do Brasil também, perceberia mais tarde. Eles tinham medo de tudo quando não estavam protegidos por seus muros. Medo de gente feia, medo de gente mal vestida, medo de cabeludo, medo de careca, medo de tatuado; se um gordo não fosse branco e nem vestisse roupa limpa, já era motivo de desconfiança.

Verifiquei que todos adorariam ter um segurança pessoal; em casa, na rua, no trabalho, nas lojas, nos clubes, nas praças que freqüentam. O maior medo que tinham, entretanto, e não conseguiam esconder nem dos chegados, era o de gente preta (“todos favelados”, diziam alguns). Ao mesmo tempo havia um desejo inexplicável que o segurança fosse, preferencialmente, um “negrão de dois metros”.

O tempo passou e boa parte dos habitantes do país ascendeu para a classe média, e foram logo adotando seus vícios; vá a um bairro de classe média e verifique se tem gente na rua? Estão todos trancados em suas casas assistindo TV a cabo; criança na rua, só na periferia.

Vieram as eleições e os problemas a discutir são inúmeros; de moradia a saúde nada falta, porém, no topo da lista dos desejos da classe mediana está a “segurança”.

Isso explica o resultado das pesquisas; o que todos desejam é um leão de chácara pra chamar de seu.