Casanova, sobre livros e mulheres
Da Storia della mia vita de Giacomo Casanova:
"… a mulher é como um livro que, bom ou ruim,deve começar a agradar desde o frontispício; se este não é interessante, o livro não inspira o desejo de ser lido, e tal desejo tem relação direta com o interesse que inspira. O frontispício da mulher vai de alto a baixo, como aquele de um livro, e os seus pés, que interessam a todos os homens com o meu gosto, oferecem a mesma atração da edição da obra. Assim como a maior parte dos apreciadores não presta atenção aos pés de uma mulher, também a maior parte dos leitores não faz caso da edição. De todo modo, as mulheres tem razão em cuidar muito do aspecto exterior, a maquiagem e as maneiras, porque assim podem fazer nascer a curiosidade de ler naqueles aos quais a natureza não forneceu, desde o nascimento, o privilégio da cegueira. Ora, como os homens que leram muitos livros acabam por querer ler livros novos, ainda que sejam ruins, um homem que conheceu muitas mulheres e todas belas, acaba por tornar-se curioso sobre as feias, se para ele são novas. O seu olho se compraz em ver a maquiagem que lhe esconde a realidade; a sua paixão, tornada viva, sugere uma trama favorável ao falso frontispício. Pode acontecer, ele diz, que a obra valha mais que o título, e a realidade mais que a maquiagem que a esconde. Tenta então percorrer o livro; mas este não foi ainda folheado e ele encontra resistência: o livro vivente quer ser lido oficialmente e o maníaco pela leitura torna-se vítima da coqueteria, monstro perseguidor de todos aqueles que cujo métier é amar.
"Homem de espírito que leu estas últimas linhas, permita-me dizer-te que se elas não contribuem a desenganar-te, tu estás perdido, ou seja, serás vítima do 'bel sexo' até os últimos instantes de tua vida".