Eu vi a "Veja" nascer
1. Eu vi a "Veja" nascer. Seu primeiro número circulou no dia 11 de setembro de 1968. Há, portanto, 50 anos. Era mais uma revista da Editôra Abril de propriedade do senhor Victor Civita (1907-1990).
A capa da primeira "Veja", de cor vermelha, estampava, em caixa altíssima, a foice e o martelo, cruzados, símbolo do Partido Comunista. No primeiro momento, pareceu-me uma provocação.
2. Uma provocação porque, naquele setembro de 1968, o Brasil vivia o seu pior momento político. O país permanecia esmagado pela ditadura militar, que se instalara em 1964, após a deposição do Presidente João Goulart.
Começava em 1968 o que o povo brasileiro passou a chamar de "os anos de chumbo": o recrudescimento do regime, com a edição do Ato Institucional n. 5, devastador.
3. A capa da primeira "Veja" dava a impressão de que, enfrentando as baionetas, a revista publicaria uma matéria sobre o Comunismo e seus simpatizantes no Brasil.
Os leitores de "Veja", sufocados pelas botinas dos quarteis, e agoniados com os "urros" vindos dos porões da ditadura, torciam para que algo se dissesse sobre o que de estranho estava ocorrendo.
4. Mas não foi o que aconteceu: a matéria anunciada na capa falava sobre o Comunismo internacional; nada paroquial. Ora, escrever sobre o PCB e seus admiradores seria um perigo. O partidão estava asfixiado pelo poder fardado.
5. Nossos gloriosos "comunas", perseguidos vinte e quatro horas pelos ditadores, estavam nos presídios ou figurando na lista dos "subversivos abatidos" em uma "troca de tiros" com os "agentes do bem".
Os que não estavam presos ou mortos, reuniam-se, clandestinamente, nos chamados "aparelhos urbanos" e até nas entranhas da selva amazônica. Estudavam como se defender e como contra-atacar.
6. Eu tinha como constatar o que se passava no Brasil amedrontado. No auge da repressão, como advogado e jornalista, eu atuava, ora na defesa dos perseguidos, ora como copidesque e redator nos jornais e rádios que me ajudavam a ganhar, honestamente, o pão de cada dia. Saudades da minha Olivetti!
7. Antes de parabenizar a "Veja", à qual estou ligado, como assinante, há mais de três décadas, deixem-me prestar uma homenagem a duas grandes revistas que infelizmente desapareceram: "O Cruzeiro" e "Manchete".
8. A revista "O Cruzeiro", fundada em novembro de 1928 pelo brilhante jornalista paraibano Assis Chateaubriant (1892-1968), circulou até julho de 1975.
E "Manchete", fundada em 1952 pelo empresário Adolpho Bloch (1908-1995), circulou até junho do ano 2000. Essas duas revistas, com seus excelentes jornalistas e bons fotógrafos, davam vida às reportagens que publicavam.
9. Pessoas ligadas à imprensa e de reconhecido valor profissional e intelectual, disseram-me acreditar que "Veja" fora concebida para cobrir a lacuna aberta com o desaparecimento de "O Cruzeiro" e de "Manchete". Na feição gráfica, sou mais as duas revistas mortas; no conteúdo as três se equiparam, obedecidas as regras do tempo de cada uma.
10. Victor Civita, em artigo publicado na primeira "Veja", entregando a nova revista da Editora Abril ao povo brasileiro, disse: "O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regioonalismos: precisa de informações rápida e objetiva a fim de escolher rumos novos". E, peremptório: "E este é o objetivo de Veja". "Veja" tem alcançado esse objetivo ao longo dos seus cinquenta anos de existência. Não há como negar.
11. Afirmei, no início, que vi a "Veja" nascer. Guardo, nos meus arquivos, os 30 primeiros números dessa grande revista, devidamente encadernados. Têm me ajudado nas pesquisas, quando quero escrever sobre coisas do passado.
12. E por falar em coisas do passado, para fechar minha crônica - que já se faz demasiadamente longa, por isso enfadonha -, trago pro caro leitor um fato que a primeira "Veja" registrou, em preto e branco, mas com o maior e merecido destaque. Não é sobre política; a censura não permitia.
13. Vejam: a primeira "Veja" publicou, como notícia sensacional, uma foto de Luiz Gonzaga dando uma daquelas suas boas e sertanejas gargalhadas. Lua comemorava o quê?
Gonzaga comemorava duas notícias, segundo o texto muito bem redigido: a primeira, de que vendera, até 1968, dois milhões de discos; e a segunda, de que os Beatles iam gravar "Asa Branca".
14. A primeira "Veja", com certeza, bem diferente da "Veja" de hoje, cinquentona, que publica, livremente, suas reportagens e os artigos dos seus ótimos colunistas.
Não é uma revista intocável. É criticada? É, e por que não? Há até quem a condene sem dó nem piedade na sua linha editorial.
15. Acusam-na de receber dinheiro de governos. Aponte-se, por favor, um órgão de imprensa que dispense a grana saída dos cofres públicos, pagando a publicidade governamental veiculada. Às vezes excessivamente.
16. "Veja" continua sendo, como desejou seu fundador, o empresário Victor Civita, "a grande revista de informação de todos os brasileiros". Aquele abraço no pessoal que faz a "Veja", permitindo que ela tenha vida tão longa: 50 anos!
1. Eu vi a "Veja" nascer. Seu primeiro número circulou no dia 11 de setembro de 1968. Há, portanto, 50 anos. Era mais uma revista da Editôra Abril de propriedade do senhor Victor Civita (1907-1990).
A capa da primeira "Veja", de cor vermelha, estampava, em caixa altíssima, a foice e o martelo, cruzados, símbolo do Partido Comunista. No primeiro momento, pareceu-me uma provocação.
2. Uma provocação porque, naquele setembro de 1968, o Brasil vivia o seu pior momento político. O país permanecia esmagado pela ditadura militar, que se instalara em 1964, após a deposição do Presidente João Goulart.
Começava em 1968 o que o povo brasileiro passou a chamar de "os anos de chumbo": o recrudescimento do regime, com a edição do Ato Institucional n. 5, devastador.
3. A capa da primeira "Veja" dava a impressão de que, enfrentando as baionetas, a revista publicaria uma matéria sobre o Comunismo e seus simpatizantes no Brasil.
Os leitores de "Veja", sufocados pelas botinas dos quarteis, e agoniados com os "urros" vindos dos porões da ditadura, torciam para que algo se dissesse sobre o que de estranho estava ocorrendo.
4. Mas não foi o que aconteceu: a matéria anunciada na capa falava sobre o Comunismo internacional; nada paroquial. Ora, escrever sobre o PCB e seus admiradores seria um perigo. O partidão estava asfixiado pelo poder fardado.
5. Nossos gloriosos "comunas", perseguidos vinte e quatro horas pelos ditadores, estavam nos presídios ou figurando na lista dos "subversivos abatidos" em uma "troca de tiros" com os "agentes do bem".
Os que não estavam presos ou mortos, reuniam-se, clandestinamente, nos chamados "aparelhos urbanos" e até nas entranhas da selva amazônica. Estudavam como se defender e como contra-atacar.
6. Eu tinha como constatar o que se passava no Brasil amedrontado. No auge da repressão, como advogado e jornalista, eu atuava, ora na defesa dos perseguidos, ora como copidesque e redator nos jornais e rádios que me ajudavam a ganhar, honestamente, o pão de cada dia. Saudades da minha Olivetti!
7. Antes de parabenizar a "Veja", à qual estou ligado, como assinante, há mais de três décadas, deixem-me prestar uma homenagem a duas grandes revistas que infelizmente desapareceram: "O Cruzeiro" e "Manchete".
8. A revista "O Cruzeiro", fundada em novembro de 1928 pelo brilhante jornalista paraibano Assis Chateaubriant (1892-1968), circulou até julho de 1975.
E "Manchete", fundada em 1952 pelo empresário Adolpho Bloch (1908-1995), circulou até junho do ano 2000. Essas duas revistas, com seus excelentes jornalistas e bons fotógrafos, davam vida às reportagens que publicavam.
9. Pessoas ligadas à imprensa e de reconhecido valor profissional e intelectual, disseram-me acreditar que "Veja" fora concebida para cobrir a lacuna aberta com o desaparecimento de "O Cruzeiro" e de "Manchete". Na feição gráfica, sou mais as duas revistas mortas; no conteúdo as três se equiparam, obedecidas as regras do tempo de cada uma.
10. Victor Civita, em artigo publicado na primeira "Veja", entregando a nova revista da Editora Abril ao povo brasileiro, disse: "O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regioonalismos: precisa de informações rápida e objetiva a fim de escolher rumos novos". E, peremptório: "E este é o objetivo de Veja". "Veja" tem alcançado esse objetivo ao longo dos seus cinquenta anos de existência. Não há como negar.
11. Afirmei, no início, que vi a "Veja" nascer. Guardo, nos meus arquivos, os 30 primeiros números dessa grande revista, devidamente encadernados. Têm me ajudado nas pesquisas, quando quero escrever sobre coisas do passado.
12. E por falar em coisas do passado, para fechar minha crônica - que já se faz demasiadamente longa, por isso enfadonha -, trago pro caro leitor um fato que a primeira "Veja" registrou, em preto e branco, mas com o maior e merecido destaque. Não é sobre política; a censura não permitia.
13. Vejam: a primeira "Veja" publicou, como notícia sensacional, uma foto de Luiz Gonzaga dando uma daquelas suas boas e sertanejas gargalhadas. Lua comemorava o quê?
Gonzaga comemorava duas notícias, segundo o texto muito bem redigido: a primeira, de que vendera, até 1968, dois milhões de discos; e a segunda, de que os Beatles iam gravar "Asa Branca".
14. A primeira "Veja", com certeza, bem diferente da "Veja" de hoje, cinquentona, que publica, livremente, suas reportagens e os artigos dos seus ótimos colunistas.
Não é uma revista intocável. É criticada? É, e por que não? Há até quem a condene sem dó nem piedade na sua linha editorial.
15. Acusam-na de receber dinheiro de governos. Aponte-se, por favor, um órgão de imprensa que dispense a grana saída dos cofres públicos, pagando a publicidade governamental veiculada. Às vezes excessivamente.
16. "Veja" continua sendo, como desejou seu fundador, o empresário Victor Civita, "a grande revista de informação de todos os brasileiros". Aquele abraço no pessoal que faz a "Veja", permitindo que ela tenha vida tão longa: 50 anos!