A febre e seus delírios
Estava diante da porta, ensimesmado, como um vampiro, tentando fugir da face do dia que dominava o mundo lá fora e invadia meu quarto pelas frestas da janela.
Através do espelho, percebi o quanto minha pele havia entristecido. A retórica com as paredes havia me consumido drasticamente. Há quem sinta a carne trêmula no momento de fazer uma declaração, diante de uma entrevista de emprego, ou frente a frente com uma bancada de catedráticos que vão dizer sim ou não para o seu TCC. Nada disso estremece mais a carne do que debater com estas paredes.
Estava tentando aniquilar a loucura. O veneno que corria pelas minhas almas. O veneno do desejo. O amor! Fazia alguns meses, estava prestes a alcançar mais um outono, que a loucura estava em mim. Toda loucura é resultado de uma febre onívora resultante de uma paixão. Eu tentei prender-me a racionalidade, pois uma pessoa racional, não galga destes excessos, destas febres. O amor por aquela pessoa, a paixão de ter seu corpo sua alma, era, além de loucura, uma injustiça. Ela era um templo não solitário de um “sacerdote”. O fruto sagrado concebido pelos dois, era responsável por metade de toda aquela beleza que me cativou. Meu sentimento naquele templo, era como esterco a macular toda aquela beleza e o sacerdócio.
Apesar das compressas de água fria que todo o contexto colocava em minha alma, a febre era insistente. Pela manhã, nos corredores da universidade, aonde eu tentava me concentrar no cálculo das médias, mais do que na matéria em si, o que acometia minha alma era uma febrícula. Tentava saturar o sentimento ao olhar o desfilar e o gingado presente em tantos quadris acadêmicos. Contudo, todos fugazes. Ao final da tarde, a febre chegava, no momento em que o sol começava a repousar no horizonte e o céu ganhava cores próximas ao rubro. O rubro que lembrava muito o tom que a pele dela ganhava, quando seu corpo a denunciava. Será que eu estava abalando as estruturas do templo? Diante desta questão a febre aumentava. A febre atravessava a noite. A beleza do templo invadia meus sonhos e o silêncio de certos lugares faziam minha mente, como um conjunto de slides reproduzir momentos perdidos no tempo e espaço. Todos delírios febris.
Por algum momento, acreditei que estávamos sufocados por este mundo efêmero e sedutor, um engodo. Assim, como a devoção daquele sacerdote. Um mundo onde paixonites são confundidas com amores, e um entretenimento qualquer, por paixões. Porém, ela estava acima destes meus achismos.
No debate desta noite, por um momento, pensei que todo este tempo poderia ter cometido o mesmo erro. A mesma confusão contemporânea. Quem eu queria enganar? Toda paixão que não cessa, forja a aliança do amor. Através da febre que não passa. Todavia, a forja não realizada a dois torna-se doentia. E em outro momento de delírio, desta noite, veio a mente que seu sacerdote não mantém a forja e a lapidação desta aliança, pois ambas devem se manter assim como a paixão, para que a aliança não se torne fria, gélida, apenas um adorno, um status, um grilhão que os deixa "seguros" dentro de suas gaiolas. O templo de essência livre, ganha status de gaiola! Bobagem.
E diante deste amanhecer e do farrapo que vejo através do espelho e dos meus olhos, janelas fechadas, concluo que o engaiolado sou eu. A gota de óleo a contaminar a água límpida, da qual quero fazer parte, mesmo sabendo que não é possível, devido a uma harmonia inabalável existente ali. Sou apenas o sujo. Olho para o relógio e vejo que estou atrasado para a universidade. Saio do quarto enfrentando a odisseia que é o tédio de mais um dia. Encaro a vida um tanto confiante por saber que até o entardecer, minha alma só será acometida por uma febrícula!