Entre o descaso, cupins e fogo, a memória nacional desapareceu

Primeiro foi o descaso, em seguida vieram os cupins, a interdição de algumas partes e a necessidade de reparos nunca realizados, por fim o fogo. E então boa parte da memória nacional deixou de existir em menos de 5 horas. Mas não foram só os itens do museu mais antigo do país que deixaram de existir, foi uma parte da própria identidade de um povo que foi negada as futuras gerações pela irresponsabilidade de alguns e desinteresse de muitos.

Natural que seja assim. O argumento é batido, mas conserva toda a força de sua obviedade: como lutar pela ciência, pelas artes, pela memória, num país que se jacta de ter apenas 5 copas do mundo? Difícil, né? Se tivemos iluminados que poderiam – e podem – em tese, rivalizar com os grandes do mundo? Claro que tivemos! Mas esses gênios patrícios nunca encontraram o respaldo estatal que lhes permitissem desenvolver suas faculdades, muito menos o reconhecimento dos seus conterrâneos. Quantos historiadores ou cientistas temos por ídolos? Não digo nem que precisam ter salários milionários como jogadores de futebol, mas quantos ganham o suficiente para sobreviver ou que tenham salário coerente com seus anos de estudo? A falta do culto da ciência, do conhecimento, das artes, da memória produz excrecências como essa, estádios de padrão Fifa, patrocina shows milionários e espetáculos de gosto duvidoso e deixa perecer aos poucos instituições como Museu Nacional.

Mas isso ainda diz pouco. Instituições como o Museu Nacional e tantos outros, tem de sobreviver com verbas (na falta de uma palavra melhor) ridículas. Não bastando a necessidade de conservação de um acervo que por suas especificidades precisa de atenção especial, ainda tem de lidar com a falta de pessoal especializado que não vendo atrativos em salários baixos se dedicam a outras atividades. E isso num museu de grande porte, reconhecido e “respeitado”. Imaginem só o que não se passa com instituições menores como os institutos históricos e outras agremiações culturais que sobrevivem apenas de rendimentos advindos dos associados.

Nesse cenário, não faltou quem dessem declarações lamentado o ocorrido como uma tragédia inominável, legendando o óbvio, justificando o injustificável. O fato é que depois do descaso, dos cupins e do incêndio não restou mais nada que justificassem o floreio para explicar o inexplicável. Na verdade, naquele incêndio, foi um pouco de cada brasileiro de ontem, de hoje e principalmente do amanhã que deixou de existir.