Um ato intuitivo.
Todo fim de ano, meu pai levava a família para passar o natal no Paraná, em Arapongas.Em uma dessas viagens me recordo de um episódio que aconteceu quando eu tinha doze anos, meu primo Odair me convidou para ir disputar um torneio de futebol na casa do Gilmar, um garoto rico da cidade.
Chegando lá notei que devia ter uns cinquenta garotos para disputar o torneio.
Eu devia ser o mais magrinho da turma, pois me olhavam com ar de superioridade, menosprezando meu porte físico.
Assim que as duplas foram formadas, Gilmar me perguntou qual seria o nome do meu time.
- Gilmar, será Caxias do Sul.
Imediatamente foi uma gargalhada geral.
Um pouco inibido, não tive nenhuma reação.
Pois haviam escolhido os nomes dos times famosos, como Santos, São Paulo, Flamengo etc.
Na hora o que me veio à cabeça foi Caxias do Sul, na realidade eu nem sabia que era nome de time.
Começou o torneio, eu o Odair formávamos a dupla, mal sabiam eles que eu era bom de bola.
A cada partida que disputávamos, eliminávamos uma dupla, fomos ganhando a confiança de todos, que passaram a me respeitar.
O mesmo acontecia com Gilmar e seu parceiro, estavam ganhando todas as partidas.
Parece que o destino, estava planejando para que eu disputasse a grande final contra o Gilmar.
Quando meu primo Odair me apresentou a Gilmar, ele me recebeu muito bem, fez questão de me levar aos seus pais, me mostrou sua casa, foi um verdadeiro anfitrião. Me senti muito à vontade.
Mas conforme avançávamos no torneio, o mesmo acontecia com Gilmar.
Meu coração já estava ficando apertado, não queria disputar a final com ele. Não era medo de perder, porque minha dupla era superior.
Não queria que ele se frustrasse com a derrota, depois de tanto trabalho para organizar tudo, perder seria muito duro, eu não queria ser o causador da sua tristeza.
Mas a vida para me testar, colocou ele para disputar a final comigo.
Foi difícil para mim, uma criança de doze anos, querer ganhar o torneio para mostrar o meu valor a todos que me chatearam.
Por outro lado, não queria que Gilmar perdesse a autoridade que tinha com os outros garotos.
Começou a partida da final, logo no início do jogo fizemos um a zero, pude perceber a frustração de Gilmar.
Não demorou muito, o Odair fez dois a zero.
Naquele momento, algo aconteceu dentro de mim, senti que deveria deixar que Gilmar, ganhasse a disputa, intuitivamente, achei que seria a melhor atitude.
Deixei que empatasse em dois a dois, e na disputa por pênaltis chutei para fora propositadamente.
Neste momento todos invadiram o campo e carregaram Gilmar nos ombros.
Achei que aquele dia tinha que ser dele, eu não deveria estragar a sua festa.
No final ele veio até mim e disse.
- Carlos, parabéns. Você foi um adversário muito difícil.
- Gilmar você mereceu a vitória e agradeço por ter me recebido em sua casa.
É claro que o Odair ficou bravo comigo, mas acabei lhe convencendo que tinha me machucado e na hora de chutar senti o joelho.
E assim com meu coração de criança achei que fiz a coisa certa e fiquei em paz comigo mesmo.