RUAS AONDE ELE (M. ASSIS) DEVE TER ANDADO...

OU ONDE POSSA TER PASSADO... Ou não? ----- BENTINHO morava na rua Matacavalos (os barrancos cansavam os animais - virou rua do Riachuelo mais tarde) - romance "Dom Casmurro" / BRÁS CUBAS passeava no largo de São Francisco de Paula - romance "Memórias póstumas de Brás Cubas" / RUBIÃO apreciava a enseada de Botafogo - romance "Quincas Borba" / e NOGUEIRA saiu de Mangaratiba (longe!) para a rua do Senado - conto "A missa do galo"...

Isso já nos dá uma ideia da relação amorosa de MACHADO DE ASSIS com o Rio de Janeiro, onde sempre residiu, pulando de um canto a outro, tudo bem, destino final o sossegado bairro do Cosme Velho. Quando muito, uma temporada de três meses, 1879, em Friburgo, para tratamento de saúde, voltando desesperado de saudade - Rio não era personagem, porém forte pano de fundo onipresente nas suas narrativas. "Esaú e Jacó" foi escrito nesse tempo de maturidade e reclusão /daí o apelido Bruxo do Cosme Velho/, porém nunca renunciando ao efervescente centro da cidade - o personagem secundário NÓBREGA circula do morro do Livramento (memória afetiva da infância do escritor nascido carioca e a chácara aparece no conto "Casa velha") às ruas São José e da Misericoórdia, depois Dom Manuel, ruas e becos pra lá e pra cá. Ele retratava tudo em gigantesco cenário - Botafogo (chácara de LUÍS ALVES em "A mão e a luva"), Catete, Engenho Novo, Gamboa (encontros de BRÁS CUBAS com a amada), Tijuca... No bairro da Glória (que glória?!) teria acontecido o imaginário-ciumento triângulo amoroso entre BENTINHO-CAPITU-ESCOBAR. No centro da cidade, fervoroso destaque para a rua do Ouvidor, local das novidades, fofocas ou não, até a Família Real Portuguesa andarilhava na rua da badalação - comércio atrativo de chapéus, sedas, perfumes... confeitarias e livrarias - MACHADO a intitulava "a rua do boato". Leiam o atualíssimo (eterno!) conto "Tempo de crise", de M. ASSIS - aritmeticamente, 'cultura + política = rua do Ouvidor'. Comentários ali registrados: "A rua do Ouvidor resume o Rio de Janeiro (...) Uma cidade é um corpo de pedra com um rosto. O rosto da cidade fluminense é esta rua, rosto eloquente que exprime todos os sentimentos e todas as ideias..." Por afinidade, ele gostava do largo do Machado (antes, fora campo das Pitangueiras, depois das Laranjeiras e Machado por causa de um cidadão que propagava seu açougue com um grande machado de pau na porta) e residira no início da rua das Laranjeiras - no largo, por volta de 1876, foi construídaa matriz da Glória; ao final da vida, residiu com CAROLINA, a esposa, no Cosme Velho, aos pés do Corcovado, não muito distante. Muitos lugares e construções ficaram só nas crônicas e nos livros dele. Grande parte da transformação da cidade aconteceu com a proposta urbanística do prefeito PEREIRA PASSOS, já no começo do século XX. O morro do Livramento foi derrubado para a abertura da avenida Central (passaria depois ao nome de Rio Branco). O morro do Castelo foi posto abaixo em 1905 (premonição em "Esaú e Jacó". A Igreja de São Domingos, construída em 1791 no largo do Rocio (atual praça Tiradentes), só resistiu até 1942 - BRÁS CUBAS foi ali batizado. Na mesma praça o Teatro de São Pedro (ele as 20 anos escrevera um libreto de ópera - "`Pipelet") foi destruído por um incêndio. Em contraposição, ele viu os novos e moderníssimos bondes elétricos e anteviu imaginariamente a ponte Rio-Niterói (inaugurada em março de 1974), ambiente atual em termos trágicos, muitos assaltos e violência. ----- Além da literatura, outra grande paixão era o jogo de xadrez (presente em crônicas, contos, em especial "Questão de vaidade", e várias passagens no romance "Iaiá Garcia") que o alçou a elevado nível nos círculos enxadrísticos do século XIX, com participação no primeiro torneio realizado no Brasil - correspondia-se com periódicos da época, formulando problemas e enigmas. Tal o interesse tenha surgido ao saber que ARTUR NAPOLEÃO, pianista português, aos 16 anos, enfrentara em Nova York um campeão mundial. O primeiro torneio foi em 1880 na casa de ARTUR, entre seis enxadristas amadores residentes no Rio. Mais oito anos, e MACHADO frequentava o Clube Fluminense, perto do largo do Rocio, para jogar xadrez (ele mesmo escreveu a respeito na revista "A semana", 6/8/1893). Depois, passaram a jogar no Clube Politécnico, rua da Constituição, onde ARTUR o venceu num match por 7 X 2. Outro local foi o Clube Beethoven, a partir de 1882 - ali ele foi bibliotecário; sede mudou do Catete para a Glória, incluindo concertos musicais, agora com presença feminina. Na ABL, em exposição permanente, a mesa e as peças esculpidas em madeira que pertenceram ao exímio jogador MACHADO.

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NOTA DO AUTOR:

Conto "Casa velha", de M. A. - Descrição da casa principal e da capela na Chácara do Livramento, que pertenceu a uma família para quem a mãe do futuro escritor era costureira.

FONTES:

"Cenário de ficção" - Rio, revista VEJA, 24/11/99 --- "Letras e partidas de xadrez" e "Lugares do Rio de Machado" - Rio, SME, revista NÓS DA ESCOLA, n.61 e 67/2008 --- "Os Rios de Machado" - Rio, jornal EXTRA, 28/9/2008.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 01/09/2018
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