A SENHORA QUE ATRAVESSAVA A RUA
Sai da loja com pressa, tinha que chegar no trabalho e estava bastante atrasado.
Larguei as coisas no banco de trás do carro e quando fui entrar notei uma senhora ao meu lado na beira da calçada tentando descer o meio fio para atravessar a rua. Ela carregava algumas sacolas com grandes dificuldades, provavelmente compras de alguma loja próxima.
Esperava sem sucesso a oportunidade mais adequada para o seu objetivo de chegar até o outro lado da rua que já naquela hora estava bastante movimentada.
Pela sua aparência percebi ser uma senhora de idade, uma velhinha. Lembrou-me a figura de alguém querido e meigo, como uma avó, uma tia estimada.
No mesmo instante me senti na obrigação de fazer algo para ajudá-la. Num impulso maior que a pressa , esqueci do trabalho, peguei-a pela mão, segurei as sacolas que ela com esforço carregava e com um olhar mais de fraternidade do que compaixão convidei-a a seguir-me.
Naquele momento eramos duas criaturas em comunhão. Enquanto eu a ajudava em sua limitação ela me permitiu a possibilidade de curtir a experiência da mútua colaboração. De fazer parte da mesma família, da mesma espécie de seres.
Por breves instantes eu me enxerguei novamente incluído na grande família humana, mais gentil e atencioso.
Algo de estranho correu por minhas veias de uma maneira como poucas vezes sentira em minha vida. Naquele momento voltei a fazer parte da espécie humana. Entendi que a vida deveria sempre ser desta forma, esta troca de gentilezas numa sintonia positiva entre os indivíduos.
E que por vivermos em comunidade, numa coletividade de indivíduos afins, deveríamos preocuparmos com todos que nos rodeiam e que muitas vezes, sem percebermos, necessitam de nossa ajuda.
Conclui que jamais, pessoas deveriam magoar pessoas, não por questões religiosos ou filosóficas, mas por sermos todos do mesmo barro, formados pelas mesmas angústias e frustrações, participantes das mesmas alegrias e tristezas.
Quando chegamos ao outro lado da rua, antes que pudesse dizer algo agradeci a oportunidade que ela me deu de exercitar a minha humanidade.
Esqueci do atraso que até aquele momento me atormentava. Dirigi lentamente pelas ruas estreitas da cidade, num passeio despreocupado e sereno. Reverenciei com respeito as coisas simples que a vida oferece e que nos passam despercebidas exceção feita a algo que nos traga de volta a realidade do que realmente somos e sempre seremos.
Baixei o vidro do carro e deixei o vento bater no meu rosto, liguei o rádio , tocava uma música que eu gostava . Deixei o tempo fluir em seu ritmo compassado e constante , me senti mais vivo do que nunca. Mais humano , o maior de todos os homens.
Fui para o trabalho feliz , já tinha ganho o meu dia.