Assim ou ... nem tanto. 150
A Minestrina
Bebia as letras da “minestrina” nome que os italianos dão à sopa aguada com letras de massa que se acumulam ou boiam no caldo morno. Sabia vagamente a hortelã, a frango, a tédio. E o menino desencantado, pendurada a colher na mão que apoiava a cabeça, gemia a birra. Ideia genial esta de comer letras, digeri-las inúteis ou palavrar com elas depois de caçadas `na canja que arrefecia. – Come a sopa, rapaz! Era a mãe. E a criança que nesse dia não estava para comer ou ler a sopa, chorava sons parecidos arrastados e monótonos até deixar, pelo sono, cair a colher na toalha de xadrez azul. Arrancado por uma orelha à mesa, continuou a negar beber o leite da alternativa e foi trancado no quarto onde, cansado de chorar, adormeceu. O menino desta história era eu que haveria de crescer com uma raiva secreta a letras inúteis dentro da “minestrina” e a amá-las fora onde quer que as visse, desenhasse, pudesse lê-las. Muitas vezes não havia a palavra inteira e o mar que era começo de marmelada, passava a ondular azul, ter limites no céu e gaivotas a deslizar voos mansos. Havia outras letras raras, w, y que entravam em palavras estranhas que nem sempre me diziam ao que vinham. Era inglês, diziam, e lá teria de procurar saber o que os ingleses escondiam nelas ou, na impossibilidade, inventar-lhe sentido como quem abrevia um código e segue, feliz, pelo caminho errado. Errar, disse o sábio, é andar em caminhos diferentes. Todos os caminhos que por erro trilhei me levaram ao outro lado de mim. Lá, à sombra do erro, aprendi por contraste, perda ou sofrimento a ser feliz. Felicidade, voltou a dizer o sábio, pode aceitar uma dor vaga, indefinida, como a palavra incompleta nas letras de uma colherada de “minestrina”.