A Banana Amarela Esmagada
Num sábado desses acordei e me vi perdido em cima do colchão. Ouvia alguns pingos de chuva batendo na janela do meu quarto, para me acordar. Ainda assim estava quente. Coloquei o livro embaixo dos braços e saí para comprar cigarro barato. Voltei e sentei na calçada embaixo duma árvore que estava sorrindo. Olhei para frente, tinha ali um manicômio. Quem são realmente os loucos? Talvez eles soubessem a verdade. Pensei em estar alí dentro num dia desses. Daí um pássaro cagou nas minhas costas. Limpei com uma bituca e voltei aos meus pensamentos. Imaginei que daqui há uns anos eu poderia realmente desfrutar da minha consciência sem sentir esse peso dos infernos calcando e martelando os devaneios do que ainda não vi. E as horas passam, e com elas passa também o que não me convém, e só sou eu embaixo dessa árvore e o pombo em cima. Ele tem seus motivos, e eu ainda procuro os meus, para ser o que sou.
Mas eu estava conversando com um amigo e ele disse que ia acender um cigarro e caminhar nas ruas na madrugada, e eu ficaria no meu quarto, feliz por ter um quarto e umas bolachas para comer, escrevendo alguns versos inúteis no meu caderno que estava alí para me ouvir gritar, e gritar alto para que escute bem o que tenho a dizer, que também não é muita coisa, mas é sempre o mesmo pó usado por outros cafés, e as palavras vão e voltam como se fossem as mesmas. E ninguém pode dizer que a chuva é sempre igual, nem o livro que já li outras vezes, nem a música que repito até cansar os ouvidos.
E está quase amanhecendo, os ruídos começam, as formigas acordam, os ônibus lotados de pessoas que não sabem para quê vivem, e as lojas, e as mesmas pessoas que se cruzam e olham para baixo como quem já morreu, sem os rostos, face em branco, olhos negros, e as mesmas roupas que pedem para usar, e ninguém enxerga os cachorros, e o sol começa a bater na janela para me acordar, e fecho a cortina na cara dele e volto ao meu sono até às 10, que é o certo, antes disso meus olhos lutam. Não tenho pressa, calço os sapatos sem meias, e me arrasto até o banheiro e cuspo na pia o gosto de sangue, e sinto o estômago vazio depois de uma noite em que tentei ser mais do que ontem, e falhei. Falhei nessa noite em que tentei ler os mesmos versos, e me pareceu outros, mas eram os mesmos. Já passei a sonhar acordado porque a insônia faz as coisas acontecerem. Mas aí saio do banheiro e o dia só começa depois do café, e fico à esperar que a noite chegue logo para poder viver de novo o que não vivi na noite passada. Mas ainda tenho rosto.
Caio em si e lembro que tenho muita coisa à fazer, e o dia é curto. Olho para a parede do quarto e lembro que preciso de uma escrivaninha para jogar os livros em cima com quem é desorganizado. Mas eu também vou reclamar disso que ainda não tenho. Passo o resto do dia fazendo o que deveria fazer e acabo não fazendo muita coisa porque fazer o que devo fazer não me instiga à merda nenhuma.
Somos quem podemos ser. Se o Humberto estiver certo, já não posso ser muita coisa. Já não sou o que penso, e o que penso que sou também não o é. Sei lá Jim Morrison, você fala alguns sentimentos que venho sentindo, mas sei lá, ainda ouço o piano ao fundo que surra os meus ouvidos até sangrarem. Nick Cave sussurra também, e o piano ao fundo grita baixo, há um diferença, e me sinto leve. Girl In Amber.
E vejo o relógio zerar o ciclo e começar tudo do início, os Maias tinham razão! São meia noite, o dia começa, e Kerouac ainda viaja o oeste do império saqueador, e Rimbaud acaba de chegar à África depois de uma briga conjugal, Carl também deseja, e John Fante ainda está no quarto para escrever seu livro e tentando pagar o aluguel para não ser jogado na rua com sua mala de papelão, Fernando Sabino vai à Tabacaria, e sai colocando o troco dos cigarros no fundo das meias, porque já são outros tempos perigosos para se andar com dinheiro nas algibeiras da calça, e bem que John Lennon pediu paz e acabou sendo assassinado, Raul Seixas dizia que tudo é da lei, e a constituição diz que o poder é nosso, mas o estado toma o poder, e o povo se torna inconstitucional e pede repressão diante de tanta violência que causa justiça às avessas, e não, eu quero ser livre, e Renato Russo sabe bem que país é este.
Quero ouvir os gritos das guitarras que querem me dizer a verdade sobre o universo, Tropicália que reaja! Porque os velhos livros ainda fazem sentido, e Bukowski diz que os quartos escuros rejuvenescem os seres. Não sejas o que a sociedade pede para ser. Não quero ser uma das latinhas coloridas do Andy Warhol. Desgraçados do mundo inteiro, uni-vos, pois as noites são longas!