Andando a pé de bermuda arrastando chinelos em uma ladeira íngreme na Vila dos Remédios, andando como um nativo da ilha, começo da noite indo jantar no "Pico" com minha mulher e filhos em Fernando de Noronha, quando fui abordado por um casal.
− “Você sabe onde tem um bistrô por aqui? ”, perguntou o desavisado, enquanto a namorada ao lado arrumava o cabelo e ajeitava a bolsa dourada. Cheguei até a olhar ao redor para ter certeza de que eu estava no lugar certo... risos. 
− “Um bistrô? Por aqui? ”, devolvi, incrédulo.
− “Sim, um bistrozinho para gente jantar”, reforçou o deslocado. Improvisei uma resposta e indiquei o primeiro restaurante que lembrei, no final da ladeira, que eu mal conhecia. Achei que o casal ia gostar das lampadinhas charmosinhas com cara de bistrô. Logo para mim perguntar? ... Eu era turista, sou estrangeiro, nasci e vivi a vida toda em cinco grandes metrópoles, já sou até um  quase paulista hoje, eu tinha ido lá para mergulhar fazer um scuba diving com meu filho e filha mais velha, e levar a Roberta e a mais nova para nadar com os golfinhos sem ter que ir para Cancun, Taiti, ou Key West, se bem nos últimos 23 anos estive 8 vezes lá.
Mal concluí a sugestão displicente e, no caminho contrário, subia uma caminhonete lotada de músicos, a bordo de um veículo envolto em adesivos que anunciavam a atração da noite: o “Aniversário da Piriguete”, no tradicional Bar do Cachorro. A noite prometia, e o relógio da igreja não tinha marcado dezenove horas ainda.
Há tempos, a ilha de Fernando de Noronha virou destino de celebridades e de turistas com orçamento despreocupado, estimulados por uma profissionalização local que trouxe à ilha novos ares e cifras elevadas. Afinal de contas, quem não quer boa cama para dormir e comida bem elaborada, em um destino paradisíaco de praias exibidas? Mas a gente não precisa fazer das férias uma versão gourmetizada que parece uma extensão fiel da nossa rotina diária, mas fazemos... 
Fernando de Noronha virou uma grande Sala VIP com convidados VIPs que se veem e são vistos em lounges VIPs, em endereços ainda mais VIPs, onde só os VIPs podem entrar. Em Noronha, já vi mulheres em buggys de passeio, envoltas em echarpes de seda; já vi turista vaidosa se equilibrar no salto-alto do chão rústico de paralelepípedos do centro histórico; e já flagrei um iate fazendo barulho na Praia do Sancho, onde os embarcados rebolavam na proa, empunhando taças de espumante, tudo bêbado ao som daqueles sons de apelo popular que carregam no nome sufixo “brega”. Às vezes, tem-se a impressão de que falta sentimento de pertencimento em quem vai para ficar e em quem fica para ir. Ali não é Ibiza, nem Miami, Angra ou muito menos o litoral norte de São Paulo.
Noronha é Noronha desde bem antes estrangeiros se digladiarem em terras estratégicas, entre o Novo Mundo e a Europa.
Nessa nova versão de “o Paraíso é aqui”, frase que o navegador italiano Amerigo Vespucci (Américo Vespúcio) teria deixado escapar quando chegou a Noronha, em 1503.
Na aviação outro brinquedo e paixão minha, é um ponto estratégico de sobre voo lateral em ida  e vinda entre a América do Sul e Europa, cruza se o oceano em direção a Las Palmas nas Ilhas Canárias e estando tudo bem, após check de torre local,  desvia se me direção ao Faro em Portugal porta de entrada da Europa, para voos particulares ou comerciais...
Bora lá... Noite de sábado e minha pauta era jantar com a família de forma  discreta ainda que intensa em um lugar bem descolado na vida noturna de Fernando de Noronha.
O que ninguém estava esperando era que a noite seria do aniversário da Piriguete, moradora local que dizem que andava investindo pesado para reforçar o currículo de nova celebridade.
 Não se falava em outra coisa. Quem descia a ladeira, ia para festa; quem subia, fugia dela. O vizinho Muzenza viria a MPB sensível de Daniel Marrom ser esvaziada; o Bar da Dice , assim mesmo sem o R,  que iria pegar fogo até as primeiras horas da madrugada, não sem antes de acender o globo de luzes negras, no centro do galpão improvisado; e soltar o violão hippie do Boldró com todo mundo de bode ou sentado na areia.
A Noronha real não é balada da Vila Olímpia e nem se agarra às luminárias charmosinhas expostas em bistrôs da Vila Madalena. Noronha é o maracatu colorido que muda a trilha sonora da ilha, às segundas, no Bar do Cachorro; é o encontro dos alternativos dos saraus improvisados da Praia do Boldró, na casa do Gerson poeta; é a balada forte do Bar da Dice que só começa depois das duas da manhã, no bairro Três Paus. A Noronha real é o bar que se veste de cordel e xilogravura de J. Borges para receber música em tons mais baixos, no Pico; um restaurante a portas fechadas da Ana que recebe apenas 20 pessoas por noite, ao som de The Doors e outros escolhidos pelos próprios clientes; é há uma feijoada que cai bem ao som de chorinhos aos sábados, no mesmo bar que, horas, depois, veria a Piriguete apagar velhinhas.
Para nossa sorte, Noronha é feita de nativos, originais ou emprestados, temporariamente, “lá de fora”, como é conhecido o continente que fazem a “praia mais linda do mundo” ficar ainda melhor e a visibilidade marinha ganhar níveis mais profundos.
Noronha é a balconista estrangeira do mercadinho que, depois do expediente, bate forte o tambor do maracatu; é a empresária africana que dá novos tons à programação sociocultural da ilha; é o senhor quebra-galhos da mercearia que, quando o sol vai embora, larga tudo para se contorcer em um forró bem ensaiado; é a merendeira Lenice que, de dia, vende lanches na escola da ilha, mas que se transforma em Dice, na balada mais underground daquelas terras.
Noronha é o chef de cozinha gaúcho que, em dias de folga, se veste de cilindro e desce em águas profundas; é o francês bem humorado que trocou as comodidades da Europa pelas fotografias sob novas perspectivas que ninguém teve tempo para ver; é o empresário que larga tudo para acompanhar a família até em programa de índio; e é o policial que faz ronda no centro histórico da ilha, mas que sempre dá um jeito de dar uma passada para ouvir mais um arrasta pé, no Bar do Cachorro. A gente nunca sabe se é trabalho na balada ou se é balada com trabalho. E no meio desse mundo de possibilidades, tem até quem procura o bistrô mais próximo para um jantar a dois para um gringo e turista, se bem que falo muito bem português e com sotaque parecido como de um brasileiro.   
Judd Marriott Mendes
Enviado por Judd Marriott Mendes em 26/08/2018
Reeditado em 26/08/2018
Código do texto: T6430272
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