Resenha paga

Você, caro leitor, leva à sério o garoto-propaganda da TekPix?

Acredita nele quando diz que trata-se da "filmadora mais vendida do Brasil" ou quando fala das supostas qualidades desse produto?

Eu não levo porque sei que ele foi pago para dizer tudo aquilo. Porque sei que mesmo que esse produto seja uma merda, ele ainda vai dizer que é bom, afinal é o trabalho dele, ele é pago pela empresa para fazer isso.

Utilizo deste exemplo para comentar sobre a polêmica acerca da revelação de uma "lista de preços" que uma booktuber* utiliza para cobrar por resenha de livros. Ela, por exemplo, cobra R$ 3.500 para dedicar um vídeo inteiro para o livro, em que dá suas "impressões de leitura", supostamente sem interferência da editora ou autor. Há muita gente na internet defendendo, dizendo que não vê nada demais, como se resenhar e fazer publicidade de um livro fossem a mesma coisa.

Resenhista e garoto-propaganda não são sinônimos.

O garoto-propaganda existe para falar bem - e só bem - do produto, mesmo que este produto seja uma merda. O resenhista pode falar mal de um livro (deve ser honesto e dizer que é ruim, se for o caso), ele é crítico, forma opinião de pessoas e não pode ter rabo preso com a editora ou com autores. O resenhista está mais próximo do jornalismo (e pode ser também uma função jornalística) do que da publicidade. E por isso ele deve prezar pela independência, liberdade, ética e compromisso com o público. Esses quatro são pilares que suportam a sua credibilidade. Quando ele recebe dinheiro da editora ou do autor, essas quatro coisas se subvertem. A sua voz é cooptada pelas preocupações financeiras ou de reputação de quem o pagou e ele deixa de ser um pensador crítico para atender a essas preocupações.

Um exemplo concreto: ele não vai poder criticar o livro, não vai poder dizer que o livro é ruim - e se o livro realmente for ruim, isso significa que ele vai ter que mentir para seu público. Quem paga para ter seu livro resenhado certamente não vai querer correr o risco de ser criticado e perder muitos eventuais leitores já que booktubers são formadores de opinião de milhares, talvez milhões de pessoas. Assim, a sua credibilidade é abalada, posta em cheque e até reduzida a nada.

Quando o resenhista cobra do autor/editora para resenhar livros, ele torna-se garoto-propaganda. E o compromisso do garoto-propaganda é com este autor/editora que o paga; o compromisso do resenhista deve ser com o público que lhe acompanha. Ou serve o público ou o anunciante. Não tem como servir a dois senhores.

*Booktubers são criadores de conteúdo no Youtube que gravam vídeos sobre livros.