PICADINHOS EXISTENCIALISTAS - PARTE VII
1--- "Reflexões sobre o racismo", ensaio de JEAN-PAUL SARTRE - Exacerbação entre negros e brancos na África e na América do Norte... A problemática do 'bastardo' sempre foi a preocupaçao de Sartre, tipica de nossa atual civilização. Dois 'bastardos': o judeu e o negro, e a sociedade que os gerou e rejeitou, lucidamente desmontados. ----- O judeu é um 'bastardo' anatemizado, sagrado, necessário à sociedade que o prescinde - anatemizado porque acusado do assassinato do Cristo-Deus, duplamente amaldiçoado pela Idade Média que lhe impôs o pecado da usura, isto é, comércio de dinheiro, imagem que dele persistiu eternamente até hoje como avarento que segrega seu ouro inassimilável, incompreensível. ----- O negro é vítima de colonialismo, signo da autenticidade. O judeu branco, entre outros brancos, pode negar ou ocultar origem e firmar-se homem entre homens. O negro jamais poderá negar origem ou ocultar a cor, signo indelével na situação social dominada pelos brancos. Sem subterfúgio possível, a luta pela liberdade será a oposição da raça à do opressor, a descoberta de sua inferioridade na escala social, a afirmação de sua negritude e a violentação da lógica e da língua que o opressor lhe impôs. Esse racismo anti-racista é o único caminho capaz de levar à abolição das diferenças de raça. Como o próprio Sartre escreve, "durante séculos de escravização, o negro esvaziou o cálice da amargura até a borda; a escravidão é um fato passado (...), mas é também um imenso pesadelo do qual os mais jovens não sabem se já despertaram de todo". De um extremo a outro da terra, negros separados pelas línguas, pela política e pela história de seus colonizadores, apenas em comum a memória coletiva. Camponeses franceses ainda conheciam, em 1789, terrores pânicos, origem na Guerra dos Cem Anos.
2 --- "As palavras", de JEAn-PAUL DE SARTRE - O sentido da vida para ele começa na infância, não o relato saudosista de um velho senhor que rememora episódios encantadores de seu mundo, nada disso... e sim um requisitório contra o mundo da criança e o exame do que foi sua infância. O universo infantil é uma fatalidade bem organizada, o melhor dos mundos onde o mnino-predestinado-Sartre tem uma função a um tempo inequívoca e fundamental, preencher a existência da mãe-viúva e do avô., ele tranquilamente sendo aquilo que a família o considera. Escritor implacável na descrição desta sua primeira alienação, mas esse equilíbrio , suspenso aos desígnios do avô, rompe-se na medida em que este deixa de sustentá-lo. Ele sempre soube que não é uma criança bonita... O mais importante: como compreender que a vida não tem justificação? Impossível para o menino-Sartre. Mas o velho-Sartre não perdoa-se o fato de ter sido impossível na infância a dismistificação do absoluto. A ironia do livro é contra o que ele mesmo ainda tem de infantil ou contra os que nunca puderam se libertar da infância?
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FONTE:
"Não-ficção" - BH, SLMG, ano XIII, n.617, 29;7/78.
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