NOME DE RUA
O pessoal se reuniu e resolveu colocar um nome na rua. Era uma ruazinha particular, sem saída, gostosa de morar, mas ficava chato estar sempre explicando onde se localizava. Um deles foi escalado para conseguir informações. Precisavam doar a rua à prefeitura, depois acionar um vereador para apresentar o projeto de denominação. Descobriram que a ruazinha permanecia em nome de um ex-morador, que resolveu pedir indenização. Se cotizaram, pagaram a indenização – o que fazer? – e ainda pagaram as despesas de escritura.
O processo de doação levou mais de um ano para efetivar-se. Foi sorte, porque nesse tempo veio a falecer o morador mais antigo, Inácio Cabrita. Já tinham, desse modo, um nome para batizar a rua. Passaram à próxima fase, ou seja, fazer a cabeça de um vereador para apresentar o projeto. Foi preciso fornecer algumas informações, por exemplo, o que o tal de Inácio havia feito para merecer nome de rua.
- Construiu o campinho de futebol e criou o campeonato de briga de canário – disse o representante da rua.
A discussão do projeto na câmara de vereadores estendeu-se por umas três sessões – afinal, a cidade era pequena e não havia muitos assuntos a tratar, o tal de nome de rua poderia render bons discursos. Um dos vereadores tinha querela com a família Cabrita, não queria aceitar a homenagem:
- Esse velho foi um sem-vergonha, não merece ter o nome numa de nossas ruas.
Outro nobre edil encrencou com o apelido:
- Por que Inácio Cabrita? Qual o nome de batismo do cidadão?
O pessoal da rua não queria o nome de batismo. Era Inácio Cabrita ou nada. Era assim que ele era conhecido. Figura tradicional no bairro. Não chegaram a nenhuma conclusão. O assunto foi adiado para depois do recesso da câmara.
Aí, apareceu para discussão o projeto de instalação de uma grande indústria na cidade, coisa de vulto. Terreno, infra-estrutura, mão-de-obra... Não foi mais possível examinar a pretensão do pessoal da rua. Acabou caindo no esquecimento. Hoje, a ruazinha é conhecida como Beco dos Canários.