Eu Ainda Sinto Falta da Chuva...

Não tô ouvindo. Não sei se meus ouvidos estão com problemas, ou se realmente não há o que ouvir. Não tem mais aquele chiado, o tremular das telhas de alumínio com uma orquestra mecânica com tons harmoniosos orgânicos. Mas não a ouço mais. Não consigo vê-la chegar. Desapareceu, simplesmente. É como uma manta invisível.

Não estava mais prestando atenção nela. Eu sinceramente tinha perdido o encanto inteiro. Estava repetitiva, chata, sempre aparecendo nos momentos de sempre, marcada. Ela então molhava tudo, bagunçava a rua, e então, ia embora. Simples assim. Recolhia suas gotas, e mesmo após eu dar atenção, levar meu jardim para fora, dentro dos vasos, ela se foi.

Eu bem que tentei prever sua chegada. Eu bem que tentei prever seu retorno. Mas ela estava monótona. Não havia mais aquele frescor de início, quando os primeiros pingos, sempre grossos e gelados batiam contras o meu rosto. Eu não via mais sua beleza. Eu não enxergava suas virtudes e o que ela me traria de bom. Não só para mim, mas para meus jardins. Eu simplesmente só conseguia ver e prever o que ficaria após sua passagem. Eu só conseguia enxergar o caos após a tormenta.

Então eu passei a fechar as janelas. Passei a não pedir aos céus que ela voltasse, a aprendi a amar o sol. Aprendi a gostar da paz, por mais monótona que ela fosse às vezes. Mas nada se comparava a chuva. E eu estou sentindo falta da chuva. Eu posso simplesmente ignorar o fato de que nesse exato momento, ela vai estar bagunçando outros jardins. Encantando outros olhos, e abrindo outros sorrisos. Eu posso estar certo de que eu já não tenho encantamento por ela. Que ela é apenas aquela chuva que passou, causou tremores e enchentes diante dos nossos olhos. Que transformou dia em noite, e que quando se foi, deixou aquele cheiro de terra molhada misturado à tristeza dos cacos deixados com sua fúria final.

Ah, como faz falta em certos momentos. Passageiros estes, mas que trazem saudade. No final das contas nem uma chuva é igual a outra. E se você se proteger de todas só pelo simples fato de uma ter destruído seu jardim. Só pelo simples fato de uma ter inundado suas esperanças e deixado lama, apenas lama, você nunca vai saber a felicidade que é ver o arco-íris. E então entender, que a natureza coloca chuvas em seu caminho para que o mundo ao seu redor se reinicie mais forte. E que você possa enxergar que as nuvens negras são passageiras.

Vai chuva. Pode ir. Hoje não me preocupo mais com você. Hoje é meu jardim quem me move. E é por ele que eu me protejo. Mas na previsão de uma nova tempestade, mesmo que o aguaceiro se torne dilúvio... Sei que daí de cima, você também sente falta de molhar aqui.

Vai...

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 21/08/2018
Código do texto: T6426127
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