Uma lembrança
Uma fala confusa sai de sua boca. Palavras embriagadas pela loucura da realidade. Ninguém o ouve ou escuta. Todos lhe passam sem enxergar os olhos que lhe saltam da face. Próximo a pequena lanchonete da estação de trem ele permanece, todo ele é incoerente. Personagem distópico na correria do cotidiano. Talvez nem tenha reparado na contradição que lhe acerca. Sua bombeta afundada na cabeça , as calças que se escapam da cintura presa por alguns nós dados nas laterais, tudo isso era situação de rua. Toda a sua figura. De lábios confusos discute com o nada alguns sons indistinguíveis. Em sua mente guardava as lembranças daquilo que ele foi um dia. Guarda em meio a confusão do seu pensar imagens de uma época na qual não era e nem pensava em estar daquela forma. Lembra de um passado em que a rua não lhe era uma opção, de um passado que lhe prometia um punhado melhor do que aquilo que lhe foi concretizado. Em algum lugar de seus olhos avermelhados encontra-se a doce lembrança de quando era menino e podia sair descalço na rua para jogar bola. De sua mãe no pequeno barraco lavando a louça e o gritando para ir almoçar o pouco que conseguira na venda dos recicláveis. Era essa pouca lembrança que lhe mantivera atado a este mundo. É por ela que não se renega de vez, que não se embrenha na loucura de uma vez por toda. É por este antigo eu que não me dano.