Barata
A questão era a seguinte: qual a utilidade da barata? O primeiro ficou mudo. O segundo, ainda indagando, afirmava a inutilidade do repugnante ser, que caso não existisse, falta não faria. O terceiro era eu. Sinceramente fiquei tão constrangido ao ponto de não ser capaz de formular uma resposta.
Eu não estava acostumado a avaliar existência de acordo com a utilidade. Pra mim, não é uma relação diretamente proporcional, na qual, quanto mais útil, mais existente. Sim, eu sei que era só uma barata, que por assim ser, causa ânsias e repugnância. Eu sei que era só mais uma barata, cujo risco de ver a luz e o mesmo de ter seus fluidos estalados sob a sola de um sapato. Mas aquela mísera barata que correu provocando à discussão, pode ser mais que uma barata. Pode ser mãe, ou uma filha abandonanda, uma tia aposentada, uma avó coruja. A barata pode ser mais uma inconformada com o sistema. Uma oprimida. Alguém que decide descobrir o que são as sombras além da caverna.
O problema é que as relações estão pautadas na função, na utilidade, no interesse. A existência é muito ampla pra ter a utilidade como fator avaliativo.
Naquela fatídica manhã, diante de uma pergunta tão complexa, não sabia se eu era eu ou a barata. A barata pode ser muita coisa, inclusive eu ou você
Lucas Motta