A PEREÁ
Sebastião entusiasmado fala para a sua professora que no dia anterior, seu pai, ao chegar da roça, fez-lhe uma grande surpresa. Trouxera-lhe presa num pedaço de sisal uma minúscula pereá que pegou na armadilha e que ela seria, de agora em diante, o bichinho de estimação da família.
A professora lhe interrompe corrigindo que a pronúncia correta para o nome do pequeno roedor não era “pereá”, mas sim preá.
Sebastião retorna para a sua casa após a aula. Encontrando sua mãe ela pergunta:
- Sebastião, já escolheu um nome para a sua pereá?
Ele apronta-se para corrigir a mãe sobre o nome do bichinho. Dizer-lhe que é errado chamá-lo pereá, que o certo é dizer preá. Que devemos falar direito as palavras, para não sermos chamados de burro.
Olha sua mãe da cabeça aos pés. Observa a velha senhora com nem 30 anos ainda. A pele castigada pelo trabalho do campo, pela labuta de sol a sol de onde retiram o mísero para a subsistência da família numerosa colhido em terra alugada como meeiros.
Observa seu olhos cansados, suas mãos de homem. Com a qualidade daqueles que vivem cada dia como se fosse único, pelo esforço que se faz para o sustento dos seus.
A família grande, os recursos escassos e as necessidades maiores ainda.
Pensa que o entendimento das palavras, em inútil e minguado vocabulário, nada mais serviria do que uma forma rudimentar de expressão onde palavras bonitas e rebuscadas, com significados requintados ali não teriam serventia alguma.
De repente ele enxerga ao seu redor a fria realidade do mundo em que vive. As misérias e desgraças que o ombreavam desde sempre e que desnudavam-se com tenebrosa clareza após o reparo da professora.
Amparado na escassez de uma quase mendicância diária em busca do mais básico direito, o direito de viver com dignidade.
Que se fodam os nomes corretos das coisas.
Sebastião num intervalo de tempo que pareceu eterno, buscou do fundo, não sei de onde, uma maturidade que a miséria lhe proporcionara e disse-lhe com carinho e zelo pedagógico à sua mãezinha:
- Ela vai se chamar Preá.