OFENSA E COVARDIA.
Aceitar ofensas sem reação na mesma intensidade é reduzir-se aos mais baixos valores por sujeição pessoal. Covardia. Silenciar é aceitar o que se ouve. Reflete esse estado de inércia uma covardia sem medidas diante dos deveres sociais e, assim, comprometendo o tecido social. É como uma pena de morte para seu estatuto pessoal, aceitar o deboche, a ofensa, o vitupério. Um comprometimento da dita democracia em que se vive, pois como instituto político, embora parcial (governo da maioria, portanto de parte do povo, e não do povo integralmente, ficção pois o último princípio) requer que todos façam movimentar seus direitos garantidos e tutelados em lei. Se não exercidos compromete-se o regime.
Como a pena de morte é o clímax do reconhecimento pelo Estado da inocuidade dos valores que as leis fundamentais se propuseram realizar, e não o fizeram, Constituições, aceitar ofensas é o ponto mais alto de denegrir o ofendido suas balizas de entendimento e compreensão para o que aprendeu em sua existência, como o que vale a pena para prosseguir sua jornada com brio e harmonia pessoal. É o total esvaziamento de seu estatuto pessoal.
Um ser humano pode ser feliz individualmente ou não,mas não é possível viver sob a ofensa lançada com harmonia e tranquilidade. Só os de caráter fraco aceitam ofensas pacificamente. Represada a ofensa, sem reação necessária e cabível, na mesma proporção, nódoas se formarão e serão espargidas no entorno dos caminhos percorridos. Ninguém gosta de ouvir o que fere, machuca, desgasta, reduz e compromete.
Só a covardia abriga ofensa sem reação, violado o direito da paz jurídica sem movimento contrário ao menos na mesma proporção. Assim ocorrendo, há comprometimento de todo o tecido social, pois como ensinava Ihering, notável romanista, quando se abre mão do exercício de um pequeno direito, este somado a outros esgarçam o meio social, arruinando-o.
Na ficção humana, sonhadora, poética e bem vinda, desenvolveram-se as legislações. O erro começa no Estado e acaba no homem. Aquele incapaz de cumprir seus fins (cumprindo-os, quando muito, parcialmente, em algumas pátrias, na maioria delas não o fazendo por falta de meios e difícil consecução de efeito, inserido na não execução toda sorte de circunstâncias, desde a ineficiência até a concretização do universo plural de ilícitos), este desviado das liberdades das quais abriu mão para viver em paz, e por vezes covardemente nem de ofensas se defende. E o desvio, em última e compreensível análise, até certo ponto, na mutação por falta de formação, se alia à frustração e à indignação.
Por isso não é legítimo dizer que na pobreza reside a causa máxima da violência e da corrupção, mas na covardia. É ofensa à pobreza digna e de imensa escala demográfica de surgimento que não abre mão de sua defesa, só não o fazendo os covardes.