Os últimos momentos com meu irmão Bié!

Os últimos momentos com meu irmão Bié!

Foram serenos, iluminados pela derradeira lua cheia junina paulista, aclamados pelo pipocar de fogos de uma fogueira longígua; o octogenário corpo, cansado, estendido no leito, aquecido por três mantas sintéticas, a respiração curta, a mente aguçada sussurrando gratidão, o animo supremo pressentindo a aproximação final e balbuciando... “João, João, João, está chegando, vem vindo, venha devagar, devagarinho, devagarinho, devagar...” virou a cândida face para o canto.

Antes.

Uma alegria alvoraçada: Irmãos, irmãs, pais, mães, avós, primos, sobrinhos, meninos, meninas, crianças, gestantes, gente e bichos. Comidas: biscoito assado, frito, carnes, verduras, queijos, doce de leite, rapadura, geleia de mocotó, pinga, limonada, cerveja. Era o casamento da sobrinha, filha do sobrinho primo. A parentada toda de Minas mais amigos paulistas se enfeitavam para o casório. O Padre Geraldo, há tanto de Roma, chegado dos Montes Claros abençoará o casal e toda a comitiva festiva. Chegada a hora, enfeitados, entramos na VAN e partimos para a Capela. No meio do caminho, com tantas pedras, lembramos, eu e o Bié, da velha jardineira nas estradas montanhosas e curventas do Peçanha. Ofereci, como gracejo, a sacola e contei o dia em que, depois de comer uma pratada de farofa com ovo da Ica, peguei a jardineira do Quincas para Valadares e, antes de chegar em Guanhães, ou pouco depois, as entranhas reviraram e, sem tempo de recorrer à sacola, derramei tudo em cima do passageiro à frente! Nisso, talvez por isso, pressenti o desconforto do Bié. Não tínhamos sacola, mas o incentivei a esperar um pouco mais, deu tempo de chegarmos ao posto e dali ao banheiro, não cheiroso, mas o suficiente para o Bié despejar a bílis e antes dela tudo que havia chegado lá. Não continuamos viagem. Despachei os companheiros, pegamos um taxi e voltamos para o Sítio. A porteira trancada, pulamos. A lua clara e a luz de um celular iluminaram o caminho pedregoso e entramos em casa. Na segurança do lar, o Bié estertou confortavelmente e estendeu no leito...

Depois.

Já no outro dia, com o pesar das despedidas, rumei, junto com a Emerenciana, para Minas Gerais. No caminho vim matutando como registrar o ocorrido.

É, foi mais ou menos assim, os meus últimos momentos com meu irmão Bié!

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 12/08/2018
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