Melancia de natal

Na noite de natal as crianças brincavam já pela casa. A ceia ainda não estava pronta, eram necessários os últimos ajustes, e o peru ainda não havia assado. Fiquei de cortar umas frutas e decorar a mesa com elas. Observava as crianças brincando, dentre elas minha sobrinha com seus 8 anos, vestia um conjuntinho laranja feito por minha avó que era a avó de todos e desde que eu era pequeno, gostava de fazer esses conjuntinhos e nos dar de presente. Geralmente o shorts e a camisa eram do mesmo tecido monocromático. “Vovó dessa vez caprichou”, pensei eu, olhando pra Ritinha.

Ouvi as outras crianças lhe provocando: “veio de uniforme da emlur?” Crianças são maldosas. Ritinha respondia com o dedo. Fingi que não vi. Fui para a mesa da ceia cuidar da minha parte da festa. Lavei as frutas e quando cheguei à mesa lá estava ela, roupinha laranja, bochechinhas gordas e olhos esbugalhados. Minha irmã tinha lhe feito um corte de cabelo curto, não estava favorecendo a criança.

Vai fazer o que, tio?

Ajeitar essas frutas - respondi.

Depois saiu correndo, gordinha e de roupa laranja.

Cadê a Gorda? Chegou minha irmã perguntando. “Como a própria mãe lhe apelidava de gorda?”, pensei eu. Mas foi um nome que pegou na família. Minha irmã já também não tinha o mesmo corpo que uns tempos atrás exibia pelas praias exuberantes daqui. Nesse capitalismo das farinhas refinadas, somos todos gordos.

Deixei a melancia por último, e enquanto fazia dela uma cesta, lá vinha o conjuntinho laranja. Sentou numa cadeira e observava atenta:

Tio, qual sua fruta favorita?

Goiaba, Ritinha. E a sua?

Melancia! - disse de uma vez.

Hm, quer um pedaço? - perguntei, já que senti na resposta dela uma indireta de quem queria provar aquela gostosura vermelha.

Quero não.

E correu mais uma vez pra sala. Ao mesmo tempo que fui chamado na cozinha para ajudar um tio mais velho com o zapzap - tenho nervoso dessa palavra - de seu celular. Deixei a melancia semi pronta na mesa e fui acudir os mais velhos. Na volta pra finalizar os últimos retoques, acomodei as frutas dentro da melancia, e distribuí algumas fatias pela mesa. Quando peguei uma em forma de meia-lua, vi próximo à sua borda a marca de dentinhos infantis, dentes de quem gosta muito de melancia e resolveu atacá-las enquanto sobravam sem vigia sobre a mesa. Não fiz outra coisa a não ser rir. Da porta da sala, um par de olhinhos redondos e vivos me olhava, mãos nas costas do conjuntinho laranja. Fingi que não vi, e quando olhei de novo não estavam mais lá.