A QUITANDA

Era só atravessar a rua e estava na quitanda. Ficava fronteira à minha casa e exercia sobre mim uma magia especial. O fervilhar de gente que mais parecia formigas, emprestava ao ambiente a imagem dum local de culto. As cores garridas dos panos usados pelas vendedeiras, a variedade de frutos tropicais, o peixe fresco acabado de ser pescado, os galináceos e outros produtos de interesse, captavam a minha atenção. Serpenteava entre as bancas sempre na expectativa de descobrir novidades. Como era uma hora matutina, chegava da baía, um ar impregnado de maresia que perfumava o ambiente. Com umas poucas moedas comprava o que mais me agradava. Regressava a casa satisfeito por ter feito a minha visita de rotina ao meu lugar de culto.

Como eu gostaria de recuar no tempo e ir à quitanda da minha meninice, revisitar aquela gente cujo carinho era recíproco e me tratava por puto. Embora sabendo que esse desejo é impossível de se concretizar, vivo na permanente ilusão de que por magia ou milagre isso pudesse acontecer. Fico a alimentar essa ilusão.

Ruy Serrano

Escritor

Tomar - 11.08.2018

Ruy Serrano
Enviado por Ruy Serrano em 11/08/2018
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