CASQUINHA DE AMENDOIM

Olá! Aqui estou novamente: Ana, a faxineira feliz! Vou contar-lhes o que aconteceu na última segunda-feira:

- Ana! Como você consegue varrer e assobiar ao mesmo tempo? E esse sorrisão? Está feliz por encontrar tanto lixo para varrer?

- Ô Dona Isabel! Não vejo lixo; vejo alegria!

- Alegria? Mulher de Deus! Onde está a alegria? Essa casquinha de amendoim torrado parece que proliferou! Estava no chão da sala, depois se espalhou para o banheiro e sacada e até nos quartos ela chegou! Pode me explicar cadê a alegria nisso? – disse minha patroa, exaltadamente.

- Posso. Vou dar um exemplo: a senhora está andando na rua e encontra flores espalhadas pelo chão, que caíram de um ipê, de uma sibipiruna ou outra árvore. O que a senhora vê e pensa?

- Vejo um monte de lixo e penso: - Nossa! Que calçada suja! Onde andará a dona dessa casa que não a varre logo!

- Pois eu vejo um lindo tapete de flores! Onde a senhora vê lixo, vejo flores! – expliquei de maneira educada.

- Hum...

- Outro exemplo: - Se a senhora está fazendo caminhada pelas ruas da cidade e encontra uma calçada muito irregular, cheia de buracos, lajotas quebradas e com piso levantado pelas raízes das árvores. O que pensa?

- Resmungo, falo mal e ponho a culpa nos donos das casas que não consertam as calçadas e no prefeito que não fiscaliza adequadamente para as pessoas poderem transitar com segurança. – rispidamente respondeu-me.

- Ham ham. Pois eu vejo aquele equipamento que tem nas academias... Aquele que a senhora me explicou num dia desses... Aquele que fica no sobe-e-desce-sobe-e-desce...

- Step?

- Isso! Subo e desço os buracos e obstáculos das calçadas como se estivesse fazendo exercícios num step da academia!

- Tá. Entendi. E quanto as cascas de amendoim?

- Vejo essas casquinhas de amendoim como um sinal de alegria! Aqui neste lar teve alegria ontem, pois sei que houve reunião da família ou de amigos; se confraternizaram, deram risadas, conversaram. Já pensou encontrar uma casa sempre limpinha e brilhando? Sem casquinha no chão? Lembra casa vazia, triste, solitária, apática e depressiva! – relatei calmamente.

- Ah! Entendi!

- Sabe aqueles gritos das crianças brincando na quadra de esportes, que sempre lhe incomodam? Para mim lembra saúde! Criança que fica amuada, retraída num canto pode estar triste ou doente!

- É. Sei disso. Você tem razão, mas esse é meu jeito! Gostaria de ser como você Ana! – sentando no confortável sofá e indicando elegantemente com umas batidinhas de mão, para eu sentar ao seu lado.

- Não diga uma coisa dessas, Dona Isabel! Imagina! A senhora é uma arquiteta competente. Estudou muito e trabalha bastante! E eu sou uma simples faxineira!

- Uma faxineira feliz! Como consegue?

- Ah Dona Isabel... É como se eu tivesse recebido um convite para levar alegria aos outros! – disse-lhe humildemente.

- Um convite? Como assim?

- É... Não sei explicar direito. É como se eu tivesse essa missão: transformar as casquinhas de amendoim em alegria!

- Mas você não tem problemas para resolver?

- Tenho minhas necessidades, fraquezas e angústias – como todos têm!

- E não fica triste nunca? – quis saber mais.

- Fico às vezes. Hoje mesmo ainda vou ao hospital visitar minha neta, mas quero chegar alegre! Sei que lá tem médicos e enfermeiros competentes e que está recebendo o tratamento adequado. Procuro sempre ver sempre o lado bom das coisas! Mas quer saber quando fico mais triste? Quando enfrento o coração de pedra e cabeça dura de muitos. É essa dureza no coração que tento quebrar com minha alegria e otimismo.

- É essa sua “missão”, como você diz?

- Sim! É nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias sofridas que sinto uma vontade enorme de dar uma palavra de carinho. É para os empobrecidos e rejeitados da sociedade! – tentei explicar-lhe.

- Mas isso é missão das autoridades, Ana!

- Pode até ser, Dona Isabel, mas eu coloco essas autoridades e todos os responsáveis pelo bem comum, nas minhas orações para que sejam conduzidos na justiça e na honestidade; para que as lideranças das comunidades sejam acolhidas e valorizadas.

- Isso é bonito de se ouvir...

- Bonito seria se conseguisse livrar os corações da arrogância e do orgulho... Isso alimenta o desprezo por pessoas e grupos. Sei que isso não é fácil, mas queria ser uma luz na vida das pessoas... Transmitir amor...

- Mas você é uma luz, minha querida! Você é uma sábia, mesmo sem ter frequentado uma universidade! – disse-me.

- Pois é... As pessoas se admiram como a senhora e outras até se escandalizam ao ouvir falar de amor. Como uma simples faxineira pode saber usar palavras adequadas para transmitir a paz? Sou gente simples. Meu trabalho é manual; não tenho tempo para meditar e pensar em Deus, mas eu digo: para falar de amor não precisa ser especialista!

- Estou lhe entendendo, mas você fraqueja às vezes? Pergunto por que quero mudar, mas tenho medo...

- Enfrento obstáculos... Algumas pedras no caminho, mas é preciso superar os preconceitos, mudar a mentalidade, ver além da aparência e enxergar as pessoas como irmãs.

- É muito difícil para mim... Acho que isso é para padres e freiras.

- Aí você se enganou, pois independe de religião! Têm pessoas que ajudam aos outros fazendo arte com as mãos ao esculpir madeira, pintar, escrever, curar doentes... Outras ajudam com música e assim por diante. E eu? Aproximo-me das pessoas e conto histórias...

-... e transforma casquinhas de amendoim em alegria! – completou alegremente.

- Isso mesmo!

- Como posso ser útil? – disse-me segurando minhas mãos.

- Dona Isabel! Sua vida é um convite para ir além! Com sabedoria e no suor de cada dia, invista em favor dos outros! Desdobre-se no amor generoso!

E continuei: - É importante não se esquecer de agradecer. Eu AGRADEÇO A OPORTUNIDADE DE AGRADECER! E lembre-se sempre das alegrias das CASQUINHAS DE AMENDOIM.

Simone Possas Fontana

escritora gaúcha de Rio Grande-RS,

membro da Academia de Letras do Brasil/MS, ocupando a cadeira 18,

membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,

membro da UBE/MS – União Brasileira de Escritores,

autora dos livros MOSAICO, A MULHER QUE RI, PCC e O PROMOTOR

graduada em Letras pela UCDB,

pós-graduada em Literatura,

contista da Revista Criticartes,

blog: simonepossasfontana.wordpress.com