Lembranças de Havana (XI)

A exemplo do que acontece em cidades antigas do Brasil e de outros países latino-americanas, La Habana Vieja apresenta um descuidado aspecto de abandono. Prédios vistosos em ruínas, outros se decompondo em múltiplas cores de pinturas superpostas, outros ainda sustentados por precárias escoras de madeira que denotam um esforço de preservação.

Durante a manhã a luz alegre do sol choca-se frontalmente com as fachadas e, em alguma medida, atenua os efeitos do tempo e da escassez de recursos para a preservação; à tarde, porém, a luz alaranjada e débil empresta um tom melancólico aos antigos casarões, projetando sombras reais e imaginárias.

É constrangedor examinar esses imóveis antigos. Centros históricos com manutenção precária lembram mulheres que um dia foram belas, mas que perderam a formosura da juventude. Que dizer? Recuperarão, um dia, a beleza de outrora num desses milagres científicos? É improvável que ocorra.

Enquanto a palavra adequada de conforto doideja na mente, sobe uma infinita, inefável ternura. Arrisca-se um elogio qualquer em troca de um brilho fugaz nos olhos? Lança-se uma expressão que resgata um sorriso que lembra tempos que teimam em sobreviver na memória? A dúvida se arrasta.

No caso dos antigos casarões, resta como homenagem o silêncio solene e a fotografia tradicional do viajante. Nesses casos, vale caprichar nos ângulos que resgatam a beleza bravamente preservada, apesar da degradação. Depois, em casa, num exame mais detalhado, o peito se enche num intenso e profundo suspiro de uma dolorida saudade daquilo que não se viveu.

No entanto, a mente vagueia, persiste no esforço de resgatar as glórias do passado fugidio. No silêncio da reflexão, os sons alegres de outras épocas se insinuam, entrelaçam-se à felicidade pretérita, sobrevivem como lembrança etérea e imaginada de quem não testemunhou o passado dourado.

Quem caminha pelas ruas da Habana Vieja sente ecoar na mente o som dos passos do passado, de pés que já se foram. A vida de quem por ali viveu, porém, insinua-se ardentemente numa camada densa de sentimentos; compartilham-se sonhos e angústias, desejos e frustrações; a História vai e vem, como as ondas que rumorejam e se quebram, pela enésima vez, nas rochas escuras de limo ao longo do Malecón...