JESUS CRISTO E A JUSTIÇA.
"Ser justo é reconhecer o direito natural inerente a todos; o ápice da dignidade. É desta justiça que devemos ter fome e sede. Mas não é só isto, o pregão do Messias é ainda múltiplo e absorvente, com concentração dos dons que se esgotam no grande momento do reconhecimento da dignidade, escala mais nobre da humanidade onde o egoísmo cede ao milagre da benevolência, suavizando os duros de coração.
Em todo o texto bíblico está claro que justiça não é apenas uma questão pessoal, uma dívida entre os semelhantes no preito do que seja dar a cada um o que lhe é devido. A justiça tem para a sociedade um amplo sentido que nasce desde um único homem até a composição estatal de cada nação e das nações hoje sintonizadas na globalidade em que vivemos. A Inteligência do Cristo destinou-se aos tempos independentemente das fases pelas quais vai passando a humanidade. A pluralidade de hoje é a singularidade de ontem, a dita globalização atual é a comunidade estreitada de poucos anos atrás pela ausência de comunicabilidade. Em um século a transformação foi surpreendente, mas a cátedra do Cristo se ajusta a toda essa gigantesca alteração não importando o tempo pois é dos tempos.
É calcado e acreditado nessas palavras que os homens podem ao menos por esperança, almejar que as humilhações impostas cessem, as injustiças praticadas pelos opressores se esvaziem, as afrontas dos orgulhosos se enfraqueçam, a insolência dos poderosos se fragilizem, a lentidão dos juízes se torne célere, a crítica inescrupulosa que sofrem os sábios se neutralizem, as ingratidões dos amigos se apaguem.
Aí está o sufrágio da plena dignidade que se conforta na projeção da feitura de justiça. Não é difícil ver nas cidades a injustiça passeando pelas calçadas, viva, tormentosa e gritante, pedindo clemência aos que podem exercer a comiseração e não o fazem. Ela está presente nos deserdados da sorte de todas as idades e faces que súplices estendem as mãos e nos falam do Cristo, de sua caridade irmã da justiça, lembrando pela súplica o martírio do amor que se tornou desamor nas lágrimas que não são vistas e no grito mudo sufocado pela miséria humana. As misérias humanas, manancial de todas as desigualdades que assolam o mundo nas mais tenebrosas e cruéis formas.
A Justiça que se inscreve na lei e nos profetas refere-se à busca pela libertação do homem da opressão junto com sua promoção integral ao menos basicamente, desde a justiça nos tribunais à integridade nos negócios públicos e privados até o respeito em família. Certamente não poderemos mudar o mundo, mas podemos influenciar em muito o lugar em que vivemos, disso não há o que se opor com razoabilidade ou lógica comezinha. Somos ação e resultiado de nosso círculo de atuação. É impossível inexistirem reflexos de nossas atividades no meio em que vivemos e nos expandimos. Traços de nossa presença se afiguram em todos os campos de interação, emocional e material; isso se reduz à obviedade.
Ter sede de justiça é participar de sua concretização pelas formas possíveis disponibilizadas, essa foi a pretensão do Cristo; reformar o homem na procura pela manifestação concreta da justiça que se exterioriza e fica visível, solar, infensa de dúvidas ou contradições no ambiente em que vivemos.
Ter sede de justiça é varrer a fome, amparar o ancião, proteger a infância, assistir ao doente, educar o deseducado e sociabilizar quem não pôde se educar, logo que não se reeduca, como pretende a pena estatal, quem nunca foi educado. Dir-se-ia que são chavões repetidos e irrealizados. Sim, são reiterações das repetições, lançadas e debatidas em todo o planeta por órgãos decisórios maiores e menores, mas são os registros da sede de justiça da inteligência do Cristo a que não se submetem os que devem fazê-lo e, principalmente, aqueles espalhados pelo mundo que exercem o poder temporal.
Um dos maiores romanistas de todos os tempos, emérito jurista, Rudolf Von Ihering, em sua pequena grande obra “A Luta Pelo Direito”, bíblia das ciências jurídicas, advertia: “Se não lutamos por um pequeno direito e, se outros assim se conduzem, esses pequenos direitos somados e violados, formarão uma gigantesca lesão que afeta todo o tecido social”. Essa sede de justiça deve afastar a mínima violação de um direito seja ele qual for, que claramente invade a dignidade humana na medida que contraria um direito.
Não é possível harmonizar plenamente a comunhão de estranhos no mundo e tal deflui da condição errática humana e de suas desigualdades. Não há lei que proteja essa comunhão, ela, a lei, visa ajustar a ausência de comunhão, de entendimento pacificado de estranhos no mundo, reequilibrando o eventual desequilíbrio ocorrido pela violação ou ameaça de um direito. É complexo o objetivo e a história assim demonstra, isso, porém, não inviabiliza a fome e a sede de justiça passadas pela inteligência do Cristo, já que só por esses caminhos se chegaria ao mínimo da comunhão em compreensão.
Embora seja nossa consciência exclusivo e majestático tribunal pessoal, existem consciências e consciências. Nesse tribunal, ao mesmo tempo somos julgadores em nosso foro e réus no foro alheio. São instâncias colidentes.
Jesus nos passa a chave do encontro dos seres humanos, via pela qual pluralmente se entenderiam todos pela aliança definitiva e verdadeira dos corações. Querendo ou não, mesmo que forjada na hipocrisia, a procura desse encontro está presente nos movimentos do pensamento que devoram a terra por uma fome e sede de justiça. A dominação de todas as espécies cede sempre ao fim maior que persegue a dignidade que se encerra na justiça. Nos movimentos da história que extinguiram os horrores da escravidão formal e segregação dos direitos fundamentais, humanismo e iluminismo, os princípios da inteligência do Cristo, sem retoques, estavam presentes.
Nesses períodos de metamorfose pelo qual passou a humanidade, teve ponto alto a vitória dos burgueses sobre os suzeranos na revolução francesa, da mesma forma que o Muro de Berlim ensinou a humanidade que o homem nasceu para ser livre e o comunismo tinha que ser abortado.
Estão flagrantes nesses marcos épicos a promoção do homem e de sua dignidade sustentadas na inteligência do Cristo.
Das diferenças econômicas existentes entre os homens, pois cada um tem capacitação diversa do outro, nascem as desigualdades com suas conseqüências nefastas; uns em extrema pobreza em confronto com excessiva riqueza de outros, inserindo-se nessa interseção a indevida administração do poder temporal com seus vícios que impedem a menor desigualdade.
Apesar da incessante busca e de algumas conquistas em favor da menor desigualdade, bem como do longo caminho percorrido para se chegar a muito pouco, envergonha constatar a estatura anã do progresso nesse sentido, barrado sempre pela intransigência, pelo orgulho, pela vaidade, pela corrupção, pelo desprezo aos mínimos direitos de todos, pela subjugação enfim do poder de todas as colorações. O mal do mundo que se projeta no antagonismo da inteligência do Cristo está justaposto na oposição aos princípios por Ele ensinados. E pior, se fortalece na pretensão da tirania, na recusa da liberdade, no poder da força, na negação de direitos naturais elementares.
Sem justiça, sem sua realização, não há como implementar a dignidade. E essa elevação do ser humano, dignidade, que está acima de qualquer outra característica que adorna a personalidade humana, Cristo indicou como a que se deve o maior respeito e inteira submissão no concerto de valores e de vontades. Entendemos que em vão, pelo menos até então, os dogmas do Messias não alcançaram maiores espaços.
Qualquer elemento ligado ao ser e existir do homem tem como fundamento mais importante sua dignidade. Não é demais dizer que tal paradigma se inscreve nas Constituições de todas as nações como fundamental e lamentavelmente não é observado. Não há vida humana respeitável sem dignidade, o que se sobrepõe a qualquer outro predicado que envolva a aura do homem. Sem dignidade, sem sua respeitabilidade, desce o homem a vestígios indecifráveis de civilidade.
E esta dignidade está reconhecida hoje pelos órgãos internacionais que ditam e listam os direitos dos homens. Lamentavelmente a observância dos preceitos não formam sedimentos respeitados, bem ao revés, visibiliza-se com freqüência os desmandos de fidelidade no cumprimento dessa dignidade preconizada pela inteligência do Cristo e assegurada nos Ordenamentos Fundamentais dos Estados; Constituições.
“Algo é devido aos seres humanos porque eles são seres humanos”, pontificou João Paulo II em sua encíclica social “Centesimus annus” (Centésimo Ano), lançada em comemoração à encíclica “Rerum Novarum “de Leão XIII, que se firmou no cenário mundial como ponto central da grande discussão sobre o trabalho e seu devido valor. Embora extenuado e no fim da prodigiosa jornada, João Paulo II diante de um cenário dominado por profundas divisões econômicas, nacionais e religiosas, se destaca como mensageiro dos valores universais. Oferece esperança e salvação diante da arrancada do egoísmo globalizado quando tanto se fala em globalização, fundamentalismos de todas as vertentes, sectários e terroristas, lucro e dominação em desfavor da qualidade da vida humana, enfim, coloca em evidência ser a dignidade humana o grande objetivo de todos.
É bom frisar que há uma iconografia de valores cristãos projetados, valorados, exaltados, registrados nos grandes avanços do pensamento no curso do tempo traduzidos em amor ao próximo, em justiça e caridade, mas ainda pendentes desse amor destilado em gotas de sangue da Cruz do Calvário que continuam a ser derramadas. É da índole histórica prevalecer o bem em processo social que vai se concretizando. Uma breve avaliação em digressão ao passado não deixa dúvidas quanto à afirmação embora o processo seja vagaroso. A história da pena ratifica o que se afirma.
Se escutarmos com cuidado os estudiosos das letras clássicas da história, filosofia e sociologia, teremos, sem medo de errar, um traçado definidor do alcançado e do que se pode alcançar em termos de realização social plena, de justiça e como para a humanidade, dividida em porções sobre a face do planeta, sob características próprias, segundo raça, língua e território.
No evolver biológico constante e multiplicador, adensando a demografia desde os primórdios, quando rudimentar a organização social, o grande passo no processo de realização social do homem como ser sujeito de direitos, como pessoa e não como indivíduo, se deu em primeiríssimo plano com a extinção da dominação com a então consequente imposição da escravidão.
A liberdade começa a se destacar como o principal fundamento da vida, sua maior dimensão como direito de cada um, o maior bem civil do homem onde todos os outros são desdobramentos e se apequenam face ao bem vital, assoalho de todos os outros. Do que vale ter vida sem liberdade? Ter vida, de forma clara o primeiro bem para exercício de todos os outros, é inerente a ser liberto nos limites de sua responsabilidade social.
Sob este aspecto, nessa angularidade, a queda do Império Romano, cujos braços de conquista à época eram gigantescos para a possibilidade de movimentação (cavalos, barcos) foi marcante.
Outras dominações, diversas faces dessa sanha de subjugar, surgiram. Oprimiu-se pela via da exploração econômica na imposição de pesados tributos sobre as terras. O feudalismo centralizou essa política ainda sob a intimidação da espada, da força. Embora muitas ocorrências históricas gradativas de conquistas de espaço pelo homem de seus direitos aflorassem após a queda de Roma, a revolução francesa inaugura um novo período pela “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em 26 de agosto de 1789, “ato da constituição de um povo”, segundo um dos membros da Assembléia, palavras inspiradas em Rousseau. Proclamou a liberdade, a igualdade e a soberania popular. Foi a mais expressiva virada da página na história do gênero humano.
Estamos imersos nesse processo histórico com proveito relativo, passando pelas guerras divisionárias inspiradas na permanente vontade hegemônica, com a pontuação patológica nazista, chegando após a guerra fria da qual já nos despedimos, existindo breves resíduos pontuais que vão se esmaecendo.
Desaguamos no estuário das grandes discussões, que têm, felizmente, como âncora principal a democracia afastadas umas poucas nações que insistem em barrar as liberdades individuais. Alguns povos contados abaixo da dezena chegaram de certa forma à plena realização social; citamos a Finlândia e a Áustria entre outros.
Há, contudo, outras inserções ardilosas de manipulação e subjugação da vontade, por outros meios que submetem também de forma sutil a liberdade; força, populismo, assistencialismo, captação de consciências por sufrágio com base em necessidades materiais, arregimentação de blocos de controle e impulsão de sucessão de alongada representação de forma variada nas nações.
É um contexto ilegítimo diante da dignidade humana preconizada pela inteligência do Cristo. A soberania do Estado assenta-se na soberania dos direitos fundamentais do homem, estes são alicerces daquela.
As práticas referidas, suplantando direitos vitais, superando a soberania maior que é a das pessoas, são antigas em todas as nações; algumas avançam na depuração e seleção para melhor, outras permanecem estacionárias.
Mas o quadro acima e antes descrito, em conflito com a legitimidade de princípios de prevalência da dignidade humana, responde pelo nosso baixo estágio atual de conquistas nesse campo de avanço de qualidade para a humanidade.
Do meu livro "A Inteligência de Cristo".