JESUS CRISTO. EXPERIÊNCIA E CONHECIMENTO.
"Nesse limiar fronteiriço entre o crer ou não crer, desponta o caráter, que como refere Wilson, “o verdadeiro caráter brota de uma fonte mais profunda do que a religião. É a interiorização dos princípios morais de uma sociedade, acrescentados daqueles princípios pessoalmente escolhidos pelo indivíduo, fortes o suficiente para resistirem às provações da solidão e das adversidades.”
De qualquer forma, além do encontro de uma primeira causa pelos sentidos e pela fé, para os que a procuram, sejam quais forem os elementos, o caráter apregoado nasce na inteligência do Cristo por todos os fundamentos, já que encontra uníssono em todos os credos inclinados para o bem que pacifica as consciências para a roda das existências todas, na crença, na descrença ou na dúvida. O caráter que vai além de seus interesses e bebe na fonte das necessidades do próximo, seu irmão em todos os sentidos na ancestralidade do Karma material e espiritual, é antes de tudo formação ética, ou seja, pilar mais enraizado em aprofundamento na missão e na inteligência do Cristo.
É por essa via de esclarecimento, da “ciência que não exclui Deus”, que o já referido Francis Collins, responsável pelo espetacular feito da ciência moderna, o mapeamento do DNA, biólogo americano Diretor do Projeto Genoma bancado pelo governo americano, em entrevista dada pondera após questionado:
“No livro “A Linguagem de Deus” o senhor conta que era um ateu insolente e depois se converteu ao catolicismo. O que o fez mudar suas convicções? Que questões são estas para as quais não encontramos respostas?
Respondeu: “Falo de questões filosóficas que transcendem a ciência, que fazem parte da existência humana. Os cientistas que se dizem ateus têm uma visão empobrecida sobre perguntas que todos nós, seres humanos, nos fazemos todos os dias. O que acontece depois da morte? Qual é o motivo de eu estar aqui? Não é certo negar aos seres humanos o direito de acreditar que a vida não é um simples episódio da natureza, explicado cientificamente e sem um sentido maior”.
Esse empobrecimento de que nos fala Collins é aquele que desconhece precisarmos seguir nossos corações, não as duras e impenetráveis, para muitos, equações matemáticas ou os instrumentos que nos conduzem às exatidões que trazem dúvidas aflitivas para tantos que morreram perguntando por Deus e por Ele ansiando. Essa é a sina e a saga dos resistentes à verdade; o sofrimento e a falta de paz na hora de transcender. Seria, sem creditar ou ver esse traço de vingança na face do Cristo, um já quase castigo, não uma punição dos céus, já que Deus é bondade que vivifica, mas martírio da consciência a que se impôs aquele que recusa a simplicidade da palavra, destinatária nada mais nada menos do que da exclusividade do amor em todas suas facetas.
Com razão a grandiosidade espiritual de Collins quando aponta esse direito de sentir-se o homem algo maior que a singela caminhada corpórea, fato que ninguém nem ciência alguma pode subtrair do ser humano.
E esse direito caminha com a dificuldade de penetrar na essência de Deus, que tem também passagem de relevo na obra de Tolstoi, que estabelece as diferenças em se situar religiosamente. Lutando contra o legalismo toda a sua vida, entendia as fragilidades da religião com assento em aspectos exteriores. O título de um dos seus livros fala disso: “O Reino De Deus Está Dentro De Ti”. De acordo com Tolstoi, todos os sistemas religiosos têm a característica e proposição de promover regras exteriores, moralistas. Em forma diversa Cristo se colocou, sem construir código de normas para seus seguidores. Recusou definir um conjunto de regras que os seus discípulos pudessem então cumprir com um senso de satisfação. Seu código se circunscreve à caridade a ao amor.
Tolstoi mostrou esse antagonismo entre o método de Jesus e o de todas as outras religiões, fazendo-o em palavras candentes de sabedoria atilada:
"A prova da observância dos ensinamentos religiosos exteriores é se a nossa conduta se conforma ou não com os seus decretos. Tal conformidade realmente é possível. A prova da observância dos ensinamentos de Cristo é nossa conscientização dos fracassos em atingir uma perfeição ideal. O grau em que nos aproximamos dessa perfeição não pode ser visto; tudo o que podemos ver é a extensão do nosso desvio. Um homem que professa os ensinamentos de Cristo é como um homem que carrega uma lanterna: a luz está diante dele, sempre iluminando um pedaço de chão novo e sempre encorajando-o a caminhar mais. Por outras palavras, a prova da maturidade espiritual não é quanto estamos "puros", mas, sim, a conscientização da nossa impureza. Essa mesma conscientização abre a porta para a graça." - Leão Tolstoi».
Também o disciplinador e grande mestre da dialética Confúcio, de sua elegia à virtude e ponderada lógica, ensinava: “A grande doutrina é aquela que nos ensina a necessidade de mostrar uma virtude transcendental. Todas as coisas, sejam materiais ou imateriais, têm raízes e ramos, que são as causas e os conseqüentes efeitos de tudo”.
É a síntese de São Tomás, porém, que demonstra primeiramente de forma definitiva “O Reino dos Céus”, ligada à Primeira causa de Kant indefinida e negada como divina, não repelindo, contudo, “as causas e os efeitos consequentes de tudo”, irmanados este princípios de origens diversas ao grande disciplinador Confúcio, indicando sob sua autoridade professoral que tudo passa pelos sentidos, pela inteligência racional, óbvia, sendo demonstrativa da maior força existente, onde se insere a correção ética que desemboca na caridade que flui pelo amor doado.
Em posição contrafeita ao posicionamento tomista, fundado na racionalidade mas também na revelação, do alto de sua autoridade filosófica magistral, figura Kant, o paladino do processo crítico construtivo. Não se pode negar ao Kantismo a insígnia maior de ser o marco divisor na filosofia do processo crítico. Antes e depois de sua obra se divide a crítica, elemento transformador e inovador, tendo a construção científica do grande filósofo que nasceu em Konigsberg, Immanuel Kant, a unanimidade do reconhecimento. Sem nunca ter saído do perímetro de sua cidade natal, mudou o mundo até nossos dias o notável professor em termos filosóficos. Filósofo recluso, sistemático, sem brilho aparente, sua empreitada filosófica não se coaduna com a vida que passou e muito menos com a importância e o tamanho de sua obra. Um gigante da vanguarda à época, abrindo novos horizontes na sua hermética porém efetiva investigação.
A revolução que causou no pensamento, comparam grandes nomes das letras, é similar à revolução iniciada em 1789 na França. “Crítica da Razão Pura” não restringiu-se a uma das obras de Kant, mas a um ponto de grande mudança na filosofia moderna.
Ao colocar no centro do processo crítico a liberdade, a questão da “possibilidade da liberdade”, tais como origem, emanações e critérios para avaliação do ser racional, a “Crítica da Razão Pura” inicia a abertura de um novo processo de investigação no campo prático, onde política, direito, história, religião e Estado tornaram-se objetos da apreciação crítica. Desnecessário dizer que por trás dessas atividades tendo por instrumentos sistemas está o homem e, por isso, há de estar conforme o processo crítico, aberto aos seus questionamentos.
A liberdade de pensar Deus, a ideia de Deus e de Cristo, seu filho, que tanto afligiu Kant, está inserida nesta ordem que seguiu e segue o curso da história.
Não vamos mergulhar no que seja liberdade de “pensar Deus” como externação de vontade da mesma forma que se conhece uma lei física, nem abordar, por impossível e diverso o objeto do presente trabalho, a obra de Kant sob o aspecto de Deus, mas reiteramos com o inigualável mestre da filosofia discorrendo sobre liberdade: “é possível pensá-la”. Sendo possível “pensar Deus”, ou seja, acionar nossas faculdades, nossos sentidos, Deus é passível de ser considerado sob o aspecto filosófico mesmo ausente de forma. E a filosofia explica o inexatamente conhecido e o hipoteticamente desconhecido, o que significa dizer que por algum meio ou modo podemos chegar ao objeto.
Para pensar a liberdade temos de ter liberdade para abrir a mente ao processo crítico, sem o que a porta estará fechada para corrigir erros, adquirir conhecimento e crescer em virtude. O conhecimento é veículo da virtude. Antes do direito o dever, antes de ser, existir; isto já satisfaz a abertura do espírito ao processo de estar liberto para receber crítica e fazê-la. Direcionar, aprender, libertar-se de todos os jugos que inibem o pensamento e a criação que não ofende, deve ser a meta de quem “pensa” sem ser pretenso monopolista de verdades definitivas. Muitos padronizaram o mundo com inigualáveis posicionamentos que só fazem melhorar a humanidade, outros não. Isto em todos os setores do pensamento sob o crivo e a diretriz do processo crítico.
A imunização pela vaidade de não abrir-se o intelecto ao processo crítico, de molde a depurar na estrada erros para colher adiante acertos, ou ver a existência de erros de forma imparcial ou ainda calar para mais ouvir e mais acertar, é barra enérgica ao entendimento e ausência por toda a vida de meios para chegar-se à excelência da compreensão, estágio maior do ser humano que dessa forma, por essa conduta, pode encontrar seu Deus interior e quiçá seu filho Cristo, morto na cruz por amor à humanidade, fato incrível revestido de desassombro que mudou a história da humanidade e os tempos.
Muitos assim se conduziram, pela vaidade fecharam às mentes ao óbvio, ao movimento de causa e efeito, não deixando a sabedoria passar do material para chegar ao transcendental. Os vaidosos das metamorfoses exclusivas, inalteráveis pela capa da vaidade que repele e esgota contraditórios, por vezes grandes mestres, morreram sob angústia maior do que já proporciona a morte, o desconhecido que aterroriza, não deixando sequer entreaberta que seja mínima fresta de visão na porta que faz a passagem. Seriam os arautos da concentração do saber, monopólio das verdades que não se explicam.
Mesmo assim, veja-se a vaidade de Kant, o maior filósofo do mundo dito moderno após os clássicos, como ficou contida:
“A experiência não é de modo algum o único campo a que nosso entendimento deva confinar-se. Diz-nos a experiência aquilo que é, mas não que necessariamente deva ser assim e não de outro modo. Por isso nunca nos proporciona verdades realmente gerais; e nossa razão, que se sente principalmente ansiosa por esta espécie de conhecimento, torna-se, por ela, mais estimulada para saber do que satisfeita”. Kant, prefácio da “Crítica da Razão Pura, página 1.”
Do meu livro. “A Inteligência de Cristo”.