ESTÓRIAS CARIOCAS ACRONOLÓGICAS - PARTE III

O que a vinda da Corte mudou aqui?!... ----- Brasil ou França?! ----- Cidade praticamente fundada às pressas em 1565 e melhor habitada em 1567 para... afugentar franceses em 1555, pode?! --- Não é uma piada que, ao início do século XIX, o RIO DE JANEIRO 'afrancesou-se' com a chegada da Família Real... Portuguesa... ilustres fugitivos de Napoleão Bonaparte - a Corte durante 13 anos no Brasil - de 1808 a 1821. (Pobre Carlota Joaquina que endereçou 145 /só?/ cartas queixosas a familiares - pais e irmão espanhóis!) Da noite para o dia, o Rio se tornou a capital. Lugar atrasado, de costumes rígidos, comércio limitadíssimo e nenhuma vida cultural. Galinhas caríssimas, povo comia lagarto, macaco, gambá, paca, tatu e feijoada - peixe era pouco apreciado. Cidade suja, ruas estreitas e mal cheirosas, sem calçadas, pouca iluminação - 71 ruas, 27 becos, 7 travessas e 5 ladeiras. Sessenta mil habitantes, cuja metade era de escravos. Chegaram de uma só vez cerca de doze mil pessoas, o que provocou mudanças radicais na cidade. Antes de 1808, mulheres mal saíam à rua ou em fila, quando caminhavam atrás das mucamas com os bebês, a seguir gente moça ou tias solteiras, ela, por fim o marido. Já na metade do século XIX surgiram as moças janeleiras casadoiras que das sacadas se comunicavam com os pretendentes através da linguagem das flores, cada uma com um significado diferente. A capoeira nasceu entre os escravos do porto, que carregavam na cabeça os cestos chamados de capoeiro, brincando entre si com habilidades físicas, mais tarde saindo em bandos, praticando delitos e...se defendendo O carnaval era o entrudo, que consistia em jogar nas pessoas ovos, limões com água perfumada, além de baldes de água suja e urina - três dias de bagunça feliz, inclusive para os escravos. ----- A rua do Ouvidor era apenas um caminho na direção do mar. ----- Abriram-se os portos, benefício para os atacadistas exportadores ingleses, e vieram os franceses para atividades comerciais variadas, como este exemplo: desde 1806, no mesmo prédio da rua do Ouvidor, a evolução de artigos religiosos (até 1915) e sucessivos ramos de comércio, como tabacaria (móvel ainda conservado pelo valor histórico), acessórios femininos e artigos para presentes. ----- Data de 14 de julho: em 1809, decreto do ainda príncipe D. João criou a Primeira Praça de Comércio (associação comercial) do Rio - comerciantes praticamente concentrados entre rua Primeiro de Março, rua do Ouvidor e Paço Imperial; perto da igreja da Candelária obras para uma praça, projetada pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny, inaugurada em 1820 pelo mesmo regente, outra vez 14 de julho. ----- (Em 1816, vários artistas desembarcaram no Rio, a famoso Missão Francesa trazida pelo então rei D. João VI - destaque para Jean Baptiste Debret, que historicamente registrou em pinturas o cotidiano carioca daquele tempo. Em 1825, tempo de D. Pedro I, o francês Pierre Joseph Pérerat projetou o solar da Marquesa de Santos e em 1869, tempo de d. Pedro II, a reforma do palácio real, projeto paisagístico francês na Quinta da Boa Vista.) ----- Bom, a partir de 1816, a Ouvidor (de apenas "secos e molhados" - portugueses bigodudos entre bacalhau e cebolas) recebeu lojas de tecidos-roupas-chapéus-perucas-calçados, joalherias e livrarias: comércio da moda e intelectualidade. Na rua do Ouvidor (=rue Vivienne, em Paris), importados vindos da capital francesa: água de colônia, essências de cheiro, leques, pentes, luvas, suspensórios, calçados masculinos e femininos, fitas, cofres para cartas e muitas outras 'frescuras'... Foi a primeira rua a ganhar calçamento de paralelepípedo; em 1832, 19 lampiões a azeite de peixe, iluminação elétrica no fim do século - também ali a primeira ligação telefônica no país. Em 1848, no largo de São Francisco, se instalou a loja Notre Dame de Paris. Surgira o vocabulário da moda, tipo coiffeur (cabeleireiro), à française, à anglaise... Todo mundo (exagerado modo de falar) passou a falar francês - latim quase abolido ou no mínimo, desde a vinda real, posto em segundo plano nas escolas oficiais - e ter serviçais 'importados' do Mediterrâneo: professores, pintores de louçaria, cozinheiros, engenheiros (atenção agora voltada para o saneamento e as reformas urbanisticas, incluindo paisagismo, doutores, veterinários... até parteiras em trajes masculinos. A literatura ainda era bastante censurada para as mulheres. ----- Os tempos mudam para melhor, é claro. Em 1822, 1.619 casas comerciais, destas 1.032 eram tavernas. Diversões populares eram briga de galo e boliche. Em 1837, surgiu na Corte um primeiro elefante Em 1843, a primeira companhia de ópera italiana. ----- O engenheiro Pereira Passos (1836/1913), em 1857, completara sua formação na França, École des Ponts et Chaussées, e na década de 1860 comaçaram os planos de reforma. Em 1864, o paisagista Auguste François Marie Glaziou -que criou seu próprio solar na Gávea, hoje centro cultural da PUC - reprojetou a paisagem do Passeio Público (criado por Mestre Valentim em 1783) e logo arremedou o Campo de Santana como um Bois de Bologne. Depois, entre 1902 e 1906, o já prefeito Pereira Passos (como demorou, hein?) abriu novas avenidas - início da avenida Central e avenida Atlântica - rasgou o túnel do Leme. Fim dos insalubres cortiços na Cidade Velha e agora prédios monumentais, ideia de transformar o Rio numa "Paris-su-mer (Paris à beira-mar). ----- Rua do Ouvidor - Livrarias e editoras Garnier (atividades de 1834 a 1934), Laemmert (de 1844 a 18890 e Griguiet (de 1844 a 1934), muitas traduções de Balzac, Maupassant, Dumas, Victor Hugo, Rimbaud, Verlaine, Baudelaire... Constantes presenças de José de Alencar (1829/1877), Machado de Assis (1839/1908) e Olavo Bilac (1865/1918). E o cronista João do Rio (1881/1921) retratando o "bas-fond" (sub-mundo) e a vida da classe operária. ---- Belle Époque. Acabaram as mulheres curvas e os vestidos rodados, surgiu a mulher sílfide e magra em costume tailleur, de corte reto. Nunca esquecendo o Teatro Municipal de 1909, inspirado na Ópera de Paris, em 1917, o Copacabana Palace, inspirado em hotéis de Nice e Saint Tropez, e em 1920 construções de faculdades na Urca (atual campus da UFRJ). ----- Na atualidade, existem no Brasil milhares de franco-brasileiros, isto é, descendentes e a metade dos franceses radicados adotaram a nossa nacionalidade.

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FONTES:

"Cariocas d'antanho' - Rio, revista Veja, 1/11/2000 // "Dois séculos de transações" - Rio, jornal Extra, 9/3/09 // "Família real muda o comércio no Rio" - "Parle-vous français?" - "Oui, a França é bem aqui" - Rio, jornal O Globo, 9/3, 16/5 e 17/5/09.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 05/08/2018
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