Parceria ou propriedade?
Dizem que se casamento fosse bom não precisava de testemunha! Não é verdade, o casamento pode ser bom, desde que seja uma parceria, e não uma relação de propriedade que transforma pessoas em objetos de contratos, em seres amorfos sem vontade própria. Talvez, equivocadamente, confunde-se o registro em cartório com título de posse e propriedade, infelizmente.
Triste observar a quantidade de casos de relacionamentos abusivos a nossa volta. Nesse quesito, homens e mulheres têm os mesmos defeitos, ambos, fazem coisas horríveis para manter o domínio sobre o outro, numa relação abusiva. O problema é que muitos sequer sabem que estão numa relação abusiva, não raras vezes, quando percebem já é tarde demais, resultando em morte ou tantos outros dissabores.
Casamento não tira do outro a individualidade. No entanto, não é fácil perceber as exigências descabidas do parceiro por serem tidas como naturais - sinônimo de amor -, quando na verdade é simplesmente a exteriorização da ideia de posse.
Algumas Ongs que trabalham com violência doméstica elencam alguns tipos de situações que podem indicar que a pessoa está num relacionamento abusivo. Algumas atitudes são praticadas por homens e por mulheres.
*Ciúmes exagerado da família, dos amigos, de colegas do trabalho.
*Chantagem emocional
*O homem cria uma relação de dependência da mulher em relação a ele, fazendo-a se sentir incapaz, inclusive de viver sem ele. Ocorre sutilmente do tipo: fique em casa cuidando das crianças... você não precisa trabalhar.
*Quer controlar sua vida e suas escolhas ( há casos de mulheres que precisam da permissão do marido pra receber ou hospedar por uma noite um primo ou sobrinho homem); homens e mulheres querem controlar, roupas, cabelos, quem pode ser ou não amigo do outro,
*Dependência e controle financeiro
*Ao ser contrariado (a) usa de violência física ou verbal e quando não funciona parte pra chantagem emocional.
*Agressão sexual (fazer sexo por obrigação).
*O cara segura com força a mulher, embora não bata nela.
*A mulher empurra o homem, joga celular, prato, xícaras e tudo que encontrar pela frente em cima dele ( Teve uma que jogou uma máquina de escrever)
*Fala que o parceiro/parceira devia agradecer porque ninguém vai amá-lo (la) daquele jeito e que por amor perdoa sempre seus erros.
*Se você me amasse não fazia isso...
*Boicota o que é importante para o outro, proibindo, inclusive de fazer coisas que gosta.
*Depois de uma briga o outro é sempre o culpado, inclusive pela violência sofrida, seja ela verbal ou física.
*Após uma agressão promete que não vai mais acontecer e faz uma declaração de amor.
*A mulher não pode trabalhar, não pode usar tal e qual roupa, sair sozinha sem os filhos,
*A mulher obriga o marido a dar as senhas de tudo; outras, acessam tudo escondido...
Como tudo na vida, esses comportamentos são aprendidos por introjeção no contexto social em que vivemos, com a absorção do que acontece a nossa volta. Sem perceber, reproduzimos muitas frases que denotam posse, do tipo: você é minha/meu isso ou aquilo. Se não fosse crime marcar com ferro em brasa, com certeza teríamos casais fazendo isso, pois mulher usando coleira com o nome do marido já tivemos.
Se não bastasse, ainda temos os casos das ameaças suicidas e psicopatas do tipo: “Eu me mato se você me deixar e você será o culpado; ou ainda, eu vou te matar! Se não for minha/meu não será de ninguém”.
Mexer em celular do marido já é quase que item obrigatório do casamento. Alguns países proíbem tal prática, considerada invasão de privacidade, podendo resultar até em morte. Já imaginou se fosse no Brasil?
Tudo isso é resultado da insegurança e incapacidade de se valorizar a própria companhia, de buscar a felicidade em si próprios ao invés de colocá-la sob a responsabilidade do outro. Assim, temos ciúmes e insegurança matando pessoas, seja fisicamente ou emocionalmente.
O resultado disso é que os monstros criados pelo abusador se tornam gigantes, ao ponto dele não ver mais a realidade e, em algum momento, os esqueletos saem do armário. Quando isso acontece, diante da possibilidade de perder o “objeto” amado essas pessoas se tornam monstros ao ponto de matar ou desumanizar o outro.
Uma pena! Pois o casamento é maravilhoso quando existe amor, numa parceria saudável entre iguais, permintindo o diálogo, o compartilhamento de sonhos e incertezas, tornando mais suave o jugo pesado do dia a dia.
Nota da autora: O título e alguns exemplos foram retirados da bela crônica do meu amigo, Aragon Guerrero.
Mais uma mulher foi morta vítima de relacionamentos abusivos. Mesmo com os gritos dessa mulher ninguém fez nada porque em “briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Cada dia me convenço mais que a humanidade foi uma experiência que não deu certo.