______________SANDUÍCHE CAMARADA


Umas pendências demoradas no centro da cidade, e sem tempo de voltar para almoçar em casa antes de ir pro trabalho: saí uniformizada e pronta pra emendar as horas, melhor forma de evitar o estresse com relógio e driblar a ansiedade do famoso “não vai dar tempo”.

Lá pelas tantas, pendência arrematada, era hora de comer alguma coisa e seguir direto pro batente. Entrei na padaria do centro da cidade, fui para o balcão de pedidos. Uma mocinha morena, entre sorrisos, veio solícita: — Pra senhora é o quê? A senhora devolveu o sorriso cordial — que todo bom atendente merece — e sem pensar muito adiantou: — Um sanduíche! Ao que ela indagou: — Natural? E eu urgentemente situei: — Não!

Há séculos, eu não comia um sanduíche como manda a tradição. Devo passar bem longe de tudo que cheira e beira às gorduras: bacon tostadinho, só o cheiro delicioso; queijos amanteigados — e maravilhosos — nem pensar! Mas algo em mim gritou: hoje, você vai transgredir! E não vai ser pouco, não! Sem qualquer intimidade com cardápios de sanduíches do tipo “vá com calma”, corri os olhos naqueles nomes curiosos que inventam — tudo sem a menor licença de batismo dos coitados dos sanduíches. E sem muito critério de escolha, por absoluto desconhecimento, parei o indicador no nome mais atrativo: “Sanduíche Camarada”. Isso! Se tinha que ser sanduíche, que fosse Camarada!

— E pra beber? O pensamento voou um tantinho, desprezou o suco de laranja — com o qual já venho mantendo uma relação bastante desgastada, e pediu um guaraná “Mineiro”, emerso também de um passado remoto. Não demorou, a minigarrafa verde parou na minha frente. Por que será que inventam delícias tão venenosas — ou venenos tão deliciosos? — pensei, enquanto vertia aquela coisa liquefeita, dourada e borbulhante no copinho. Sem dúvida, invenções maravilhosas, e de uma perversidade a toda prova. Mas dia de transgredir é dia de transgredir e vale tudo que vier carimbado no rol dos pecados gastronômicos.

A moça sumiu lá pra dentro com seu uniforme vermelho. Levou um bom tempo até que voltou trazendo uma bandejinha. A espera faz tudo melhor: não tinha explicação aquela alface verdinha anelando pelas bordas do pão quentinho, mostrando beiradinhas de queijo derretido, ovo na chapa — até com fumacinha, e aqueles cubinhos tostados de bacon, dando um sabor especial ao tomate semiassado e ao bife suculento, protagonista do manjar das deusas. Ah, podia até não ser recomendável, mas que estava divino ninguém ousaria negar. Que sanduíche mais Camarada! Camarada principalmente da fome que já me visitava, aos ponteiros do meio-dia, tempo máximo normalmente concedido por ela, antes que alardeie: — Almooooço!

Bom, o almoço estava ali, era aquele. Através dos vidros das janelas baixas olhei o verde e a tranquilidade das árvores na praça, em frente. Foi naquele momento que o mundo parou e tive a brilhante ideia de exercitar algo que sempre me vem à mente: mastigar pelo menos 33 vezes cada porção de alimento. Fiz isso, e enquanto comia meu sanduíche Camarada ia pensando justamente na palavra camarada. Lembrei os camaradas que trabalhavam nas roças de meu pai: eram tudo gente boa. Lembrei do antigo costume de se chamar gente da nossa simpatia de camarada. Conclui: Camarada é uma palavra excelente e de vez em quando, pra não quebrar o costume de transgredir, marcarei encontros mais amiúde com esse meu Camarada de hoje, sanduíche pra fome – e recomendação médica — nenhuma botar defeito.