Sobre Chuvas e Bons Dias
A sexta-feira começava com cara de traiçoeira.
A chuva que não veio em julho finalmente caiu. E parecia particularmente determinada a molhar o mundo no exato instante em que eu iniciava a caminhada de 30 minutos até o trabalho.
Não bastasse ser chuva, era daquelas chuvas com ventinho malandro, meio deitado, sacaneando o mundo numa diagonal variante, o que é sempre muito eficiente em fazer inútil um guarda-chuva - os designers de produto da equipe do São Pedro são bem eficientes.
Caminhando, chuva tamborilando nervosamente no guarda-chuva, os tênis já fazendo um barulho gozado pois completamente ensopados, e as barras da calça empapadas - e o empapamento estava decidido a chegar até os joelhos.
Num momento de fraqueza, egoísmo e mau humor, revi meus conceitos filosóficos.
Comecei a duvidar sobre a firme posição de que muito da mobilidade urbana se resolve com bicicleta (minha velha guerreira), guarda-chuva e o uso dos pés de acordo com o que eles sabem fazer de melhor.
Sim, o dia cinza e úmido começou rachar e meu semblante ia se carregando como as nuvens no horizonte.
Então surge essa senhora.
Nossos olhares se cruzam quando ainda estávamos a uns 10 metros de distância. Ela também vinha debaixo de um guarda-chuva, que era tão inútil como o meu.
Mas ela me sorri.
O sorriso é aberto, divertido, convidativo, como se tivesse descoberto algo fantástico e estivesse compartilhando essa descoberta comigo. E, desconfio, essa descoberta eram os nossos tênis encharcados e nossas barras de calça empapadas.
- Bom dia! - diz ela de modo simpático carregando a ênfase no 'i'.
Completamente desarmado, não havia como resistir. Abriu-me um sorriso algo inédito e o bom dia saiu de minha boca com vontade própria.
É então que olho para dentro por um instante. Quando torno a olhar para fora (impressão minha?) a chuva parece fraca, o vento, muito justo.
E de repente meus tênis pesados e molhados, e as barras da minha calça que colam contra as pernas, sofrem uma transmutação incrível, inacreditável, inesperada para aquele momento e dia: se tornam apenas um par de tênis molhados e somente duas barras de calça molhadas.