COMPAIXÃO.

Missa de domingo. Na igreja, no banco da frente, um casal e seu filho. Jovens ainda, extremamente carinhosos com o filho de aproximados oito ou nove anos que como um gato se enroscava nos pais a receber carinho profuso.

Mostravam felicidade de estarem juntos apesar da dificuldade que deixavam notar. O pai com camisa gasta, muito usada, daquelas que pessoa de média condição de forma alguma vestiria para sair. A mãe com roupa muito simples e também bastante usada, sapatos clamando por um novo. O casal, pai e mãe, ambos limpos e apresentáveis, bem apessoados como usual dizer. O menino portava o melhor vestuário, mais novo e em ótimas condições.

Desenha-se o quadro efetivo e concreto, pessoas de muita luta para criarem um filho a quem tinham muito amor, renunciantes, seres humanos que era visível, trabalhavam de sol a sol para levar vida de muita simplicidade, com pouco conforto e muita modéstia.

Mas estavam gigantescamente felizes, demonstravam isso, estavam na Casa de Deus para agradecer o pouco que tinham materialmente e o muito que esbanjavam espiritualmente; amor e paz em Cristo, força e sentimento para crescer.

Um olhar de compaixão pretendeu dar tudo de material aos que aparentavam precisar, em impulso de vontade corriqueiro nos sentimentais, sem avaliar que Deus já dava muito mais.

De qualquer forma a compaixão surgida começou a fazer perguntas que não se interrompiam.

Quais estranhos desígnios formam essa divisão no mundo, muitos com tanto e outros com tão pouco? Por que o muito que sobra não chega ao pouco que falta? Onde mora o egoísmo, no coração do que não sente ou na falta de ação do braço que não exerce sua força e nos neurônios dos que não usam a inteligência para mudar esse estado de coisas?

Onde está a vergonha dos desavergonhados que solapam da miséria a fortuna contrária à lei, mera regra, enriquecimento que mancha e debocha de todos, restando altiva e imune?

Que consciências são essas que dormem saciadas pelas migalhas entregues, que entendem necessárias e bastantes?

A compaixão deve, sim, se voltar para essa demonização que enxovalha os que estão na paz do Cristo, pois como mostra Dante Alighieri, nos horrendos círculos de sua “Commedia”, arderão no fogo do inferno:

“Enquanto conservei a forma, em carne e osso ( d’ossa e di polpe) que recebi de minha mãe (che que la madre mi die) minhas obras não foram de leão mas de raposa (ma di volpe); conheci todas as astúcias e dissimulações políticas (io seppi tute), e com tais artifícios as empreguei que o eco de minha fama repercute por toda a terra”.

A vida é breve, a eternidade não, como mostrou o poeta Virgílo a Dante.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 02/08/2018
Código do texto: T6407729
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