O ORGULHO DE ZEFA CRISTINA

Maria Luiza Bonini

A donzela ficou solteirona num lugar onde era proibido tal feito. Chorava as mágoas com seu travesseiro, sendo incapaz de manifestar o que realmente significava aquela cruel desdita.

Com seus quarenta anos mal vivídos, Zefa Cristina se mantinha com aquele ar de freira contemplativa. Pálida, seus cabelos presos em um cóqui cinquentenário, usava aqueles vestidos comportados, em que escondia tudo o que pudesse transparecer sua sexualidade sufocada. Coitada !

A igreja, o padre e seus serviços voluntários eram o que preenchia aquela aparente vida carmelita.

O vigário, sim ... que homem fantástico!

Zefa Cristina tinha verdadeira veneração pelo padre Zé, simpático e bonitão sexagenário, que se mantinha na Paróquia ha várias décadas.

Havia um certo comentário entre as candinhas da região, pela exagerada dedicação de nossa balzaquiana ao clérigo em questão.

Dentre os boatos que ferviam havia um que chamava a atenção. Diziam as más línguas, ser Zefa Cristina, filha do sacristão.

Chegou aos ouvidos dela, a tal especulação.

Perplexa, resolve tirar as dúvidas que a perseguiram durante toda a vida.

Indaga a sua origem paterna, à sua veneranda mãe.

Diante de tal surpresa, a santa senhora se vê em palpos de aranha.

Não tem saída senão contar à filha o seu intrigante deslize.

Responde em tom solene, como o dos pragmáticos rituais usados nas ocasiões cerimoniais da paróquia: - "_Minha filha, a resposta está no teu nome. És Zefa Cristina. Filha do padre Zé e do sacristão, que Deus o tenha, santo homem! Dê graças a Deus por esse nome. És Zefa do Zé e ainda tem Cristina no sobrenome."

Com a pergunta respondida, sai Zefa Cristina a falar com toda a pompa:-"_ Ói mulherada faladeira:- Sô filha do Zé e do Cristo! Passem a me respeitar pois a partir de hoje vou ser santa milagreira."

A partir dessa data, os milagres começaram a acontecer.

Surge no vidro da janela de uma seguidora fiel de Zefa Cristina, uma imagem.

Todos acreditam se tratar de um milagre.

É a imagem da Virgem Maria! O povoado desperta a atenção do mundo. Todos correm para o lugarejo. Centenas de fiéis acampam no local, a fim de conseguirem o melhor ângulo para a sua reportagem. A comida passou a ser feita e vendida por voluntários da seita " Zefa Cristina", que se avolumava dia após dia.

Imprensa falada e escrita se colocam de plantão para registrarem o fato. Surgem as eleições municipais. Zefa Cristina ganha por quase total unanimidade. Só foram contra, os votos Tico e Téco, dois irmãos gêmeos, tidos na região como eréges, por não aceitarem a nossa milagreira.

Eis que, Zefa Cristina é eleita prefeita. Estamos diante do prometido milagre! Em dois anos de mandato, nossa pobre balsaquiana se transforma em uma das mulheres mais poderosas e ricas de toda a região. Milagre de Zefa Cristina. Acreditem, ou não! O orgulho de Zefa Cristina passou o de ser filha do padre e do sacristão.

A todos promete ser vice, na próxima eleição.

Não revela, por questões éticas, se será vice de governador, de presidente ou de beatificação.

Sp.11.09

Maria Luiza Bonini
Enviado por Maria Luiza Bonini em 01/08/2018
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