Imagem: autor desconhecido
_________NO ESCURINHO DO CINEMA
Nove horas até a eternidade... Flagra precioso das lentes de uma câmera eternizando em fotografia o extinto Cine Vera Cruz. O antigo cinema ficava em frente à igreja Matriz, na Praça central da cidade, e fazia nossa alegria. Aos domingos, matinês, ao melhor estilo Velho Oeste, com muito tiro, mocinho e bandido, saloons com portas bang bang, xerifes de estrela no peito, cavaleiros solitários e forasteiros enigmáticos, tudo sob efeito de impactantes trilhas sonoras: valia a pena ir à missa das nove para ter direito à sessão das três. Ah, se valia!
À noite, a história era outra: fitas do cinema-catástrofe, suspense, humor, tramas amorosas — incluindo as impróprias para menores de dezoito: a curiosidade matava, mas o jeito era se contentar com o que a idade permitia, e era bom além da conta: Aeroporto, Inferno na Torre, Tubarão, Sissi, a Imperatriz; Dio, Come ti Amo; Uma janela para o Céu; Romeu e Julieta; E o Vento Levou, roteiros que me arrebataram, me rendendo dias e dias de comentários com as amigas.
Antes da sessão, o alto-falante do Vera Cruz inundava a praça com as notas melódicas de Shadows na emocionante interpretação do cantor que marcou época, Demis Roussos. Jamais vou esquecer o impacto daquela voz densa e forte — que tinha algo de doloroso — se espalhando sobre a praça nos meses gelados de maio e junho. Aquele era o sinal de que em poucos instantes quem comprava ingresso na fila — e adquiria na bilheteria seus chicletes Adams, Prestígio e balas de menta — com o apagar das luzes, mergulharia no mágico mundo do faz de conta, ou viveria bons momentos românticos roubando beijos furtivos no escurinho do cinema.
Ir ao Vera Cruz me fascinava. Por algumas horas esquecia o mundo lá fora e me entregava de corpo e alma às imagens e sons emergidos da telona. Numa cidadezinha pequena e simples como a nossa, nos meados da década de 70, cinema era um verdadeiro luxo. E que sensação, adentrar aquele recinto com suas pesadas cortinas vermelhas, luzes embutidas, lanternas de jatos indiretos e as filas de cadeiras pretas posicionadas em declive, com seus assentos reclináveis que se recolhiam automaticamente sempre que a pessoa se levantava.
Durante o dia, a distração era parar no saguão onde se exibiam as propagandas dos próximos filmes. De passagem pela praça, obrigatoriamente eu me detinha por horas a olhar as novidades que seriam mostradas em breve. Títulos expostos, cada um mais atraente, e que vontade de poder ver tudo, já adivinhando as maravilhas contidas naqueles instigantes enredos.
O tempo passou. Vieram os modernos aparelhos — hoje também obsoletos — para exibição de filmes, no conforto do lar. As locadoras proliferaram, o cinema tradicional foi ao declínio, fechou as portas. O prédio perdeu seus áureos tempos de glória, deu lugar a uma grande loja de utilidades domésticas. De tudo, restaram apenas as lembranças e a nostalgia encerradas numa antiga fotografia: ao ver o antigo Vera Cruz, não tem jeito, na cabeça passa um filme, e o título chega a doer: Saudade, doce saudade!
À noite, a história era outra: fitas do cinema-catástrofe, suspense, humor, tramas amorosas — incluindo as impróprias para menores de dezoito: a curiosidade matava, mas o jeito era se contentar com o que a idade permitia, e era bom além da conta: Aeroporto, Inferno na Torre, Tubarão, Sissi, a Imperatriz; Dio, Come ti Amo; Uma janela para o Céu; Romeu e Julieta; E o Vento Levou, roteiros que me arrebataram, me rendendo dias e dias de comentários com as amigas.
Antes da sessão, o alto-falante do Vera Cruz inundava a praça com as notas melódicas de Shadows na emocionante interpretação do cantor que marcou época, Demis Roussos. Jamais vou esquecer o impacto daquela voz densa e forte — que tinha algo de doloroso — se espalhando sobre a praça nos meses gelados de maio e junho. Aquele era o sinal de que em poucos instantes quem comprava ingresso na fila — e adquiria na bilheteria seus chicletes Adams, Prestígio e balas de menta — com o apagar das luzes, mergulharia no mágico mundo do faz de conta, ou viveria bons momentos românticos roubando beijos furtivos no escurinho do cinema.
Ir ao Vera Cruz me fascinava. Por algumas horas esquecia o mundo lá fora e me entregava de corpo e alma às imagens e sons emergidos da telona. Numa cidadezinha pequena e simples como a nossa, nos meados da década de 70, cinema era um verdadeiro luxo. E que sensação, adentrar aquele recinto com suas pesadas cortinas vermelhas, luzes embutidas, lanternas de jatos indiretos e as filas de cadeiras pretas posicionadas em declive, com seus assentos reclináveis que se recolhiam automaticamente sempre que a pessoa se levantava.
Durante o dia, a distração era parar no saguão onde se exibiam as propagandas dos próximos filmes. De passagem pela praça, obrigatoriamente eu me detinha por horas a olhar as novidades que seriam mostradas em breve. Títulos expostos, cada um mais atraente, e que vontade de poder ver tudo, já adivinhando as maravilhas contidas naqueles instigantes enredos.
O tempo passou. Vieram os modernos aparelhos — hoje também obsoletos — para exibição de filmes, no conforto do lar. As locadoras proliferaram, o cinema tradicional foi ao declínio, fechou as portas. O prédio perdeu seus áureos tempos de glória, deu lugar a uma grande loja de utilidades domésticas. De tudo, restaram apenas as lembranças e a nostalgia encerradas numa antiga fotografia: ao ver o antigo Vera Cruz, não tem jeito, na cabeça passa um filme, e o título chega a doer: Saudade, doce saudade!