Tempo perdido.
Uma máquina de escrever, um maço de cigarros amassado, e uma pequena garrafa de White Horses vazia. Era tudo que aquele homem tinha, além do quarto escondido das sobras no bairro São Miguel. De vez em quando, escrevia alguns versos, sentia um prazer celestial ouvindo o barulho do teclado, mas depois ele ficava cansado, ou triste demais.
Ele olhava para a janela do apê em que morava, e via os carros passando rapidamente, sem nenhum tipo de pressa. Única coisa que parava era um carro desatento, porém os outros carros ficavam puto e o carro seguia em frente, sem olhar pra trás. Ele tenta ver alguma coisa na rua, algum cheiro de novidade, alguma mulher que tinha uma boa dupla de pernas, ou um bar abrindo numa tarde chata de um domingo morto. Mas nada, apenas a sua solidão transportada pelas ruas de SP.
“Que inferno é a existência”, era o que pensava o idiota. Nenhuma dose, nenhum espaço reserva da cama para uma boa mulher dormir, e nenhuma boa mulher. Os versos eram apenas retratos doloridos de uma alma dolorida, mas nada demais. Do fim, parece que todo mundo está triste e fodido.
Ele escrevia e escrevia, tentando não ouvir os sons dos carros, e nem ouvir o silêncio do céu da tarde. Mas era em vão. Era inútil. A poesia foi embora, e só restou a merda.
Ele se levanta da cadeira, vai até o telefone, que fica ao lado na cama. Ele senta na cama, pega o telefone e tenta lembrar do tal número. Ele ficava olhando pro teto, tentando lembrar...lembrar, e ele conseguiu lembrar apenas 10 minutos depois: 2511-4489.Era o telefone que ele queria ligar. Ele via aqueles números como um triste déjà-vu, mas também como uma forma de fugir (por um curto momento) naquele quarto pequeno, e naquela rua movimentada e cinza.
Ele aperta os números do telefone com agressividade, esperando ouvir a tal voz charmosa e feminina. Uma voz que remetia um sorriso sexy desleixado, mergulhado num amor louco em uma sexta feira noturna graciosa. Ele disca os números, e espera...
Ficou chamado, e chamado. Porém, no decorrer dos segundos, apareceu uma voz metálica, robótica, falando pra ele que aquele número não existe, e que é muito provável que ele tenha errado o número. Ele olha pro telefone, desliga ele, e com uma fúria nítida e bruta joga ele na parede.
E observa com uma lentidão cruel o telefone se quebrar em mil pedaços quando se choca na parede. O telefone fazendo um som bruto, alto, assuntando o gato da vizinha, e depois os restos mortais caindo em direção no chão. Caindo...pedaço por pedaço. Segundo por segundo...vidas e mais vidas, tudo desperdiçado, destruído, banido por alguém, ou por si mesmo.
O inferno dele era isso...era o telefone quebrado, o número inexistente, o apartamento feio e fodido, a máquina de escrever, o maço de cigarros amassado, a garrafa vazia de whisky e aquela rua cinza e barulhenta. E do fim, ele sabia que tinha que quebrar o espelho, ou retalhar o próprio rosto para esquecer as leis dos homens, ou para esquecer que já existiu alguém feliz.