Sem lugar no céu

Disciplinador severo - e por vezes, até demais - o Monsenhor Hilton Gonçalves de Souza, itaunense da gema de fazer gemer, bom mesmo era para lecionar. Foi meu professor de Português naquele já mais que cinquentenário ano de 1966, no curso Clássico do Seminário de São José de Divinópolis. O livro que adotou, Gramática Histórica da Língua Portuguesa era de autoria de um Sílvio Elia, assim mesmo, no singular e dum outro que pelejo para me lembrar e que quem sabe, o Google, pode aqui, uma mão dar.

E para uma classe de não mais que 20 rapazes, em que uns 4 ou 5 eram externos, e o restante candidatos aos altares e sacristias, o Monsenhor se comprazia em narrar com minúcias as peripécias das palavras em nossa Flor-do-Lácio, desde sua origem latina até a atualidade. Um caso de que me recordo bem é oculum, que, através dos séculos, foi encolhendo e virou esse olho que vai lendo o que vou escrevendo...E que foi reabilitada à forma original, como óculos, para dar o devido apoio ...

E para preencher o quarto restante de sua fluida e prazerosa aula, o Monsenhor recorria de hábito - e de batina, sempre clara, para realçar a sua condição de Reitor, em oposição ao seu subalterno auxiliar Padre Evaristo, que só de batina preta era visto... - pois bem, recorria à leitura de algum artigo de jornal, do Estado de Minas então, em que nos lia a coluna de Alberto Deodato, cronista de truz - e cruz, conservador, por supuesto, de linguajar desembaraçado e desembaçado.

E ainda sobrava tempo para o contraponto, que era espinafrar, quando não execrar um político certamente anti-clericalista de Sete Lagoas que aliás veio a fundar uma universidade em Brasília, e cujo nome também me foge agora. Esse, na linguagem feroz do Monsenhor não teria mesmo lugar no céu. Mas criou ou seu CEUB...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 30/07/2018
Reeditado em 30/07/2018
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