As rosas de Dona Penha

Foi no ônibus da Estação Eldorado para Esmeraldas. O sofrimento expresso em seu rosto cansado era efeito de acontecimentos tristes e de uma coleção de lutas pela saúde do marido, a casa própria, o emprego.

Mas ela era estranhamente alegre, pacificada. E não era de uma resignação tropical. As críticas ao sistema de transporte não indicavam uma postura acomodada, ao contrário. O que teria aquela mulher para se alegrar?

Dona Penha nos contou, então, o segredo: um grande jardim de rosas que ela cultivava. Era ali o lugar de sua terapia, sua meditação. Das rosas, sua Bíblia, Dona Penha aprendeu que há tempo para cada coisa, que há sempre um ciclo que vai e um que vem; que há o fruto e a poda; o florescer e murchar; que há a terra seca e o efeito da chuva; que há espinhos que são indispensáveis e há outros que precisam ser cortados. E isso tudo sem maiores elaborações, apenas do que as rosas lhe mostraram.

Rindo, contou que um médico lhe receitara um monte de remédios numa das fases difíceis que enfrentou, o que lhe deu fraqueza e esgotamento. Não os comprou. Porque eram caros e também porque preferiu as rosas.

Ao ouvi-la, tive pena dos médicos e dos cientistas. Naquela situação de sofrimento, fosse um filósofo, ter-lhe-ia questionado a razão da existência e o seu pouco rigor estético; fosse um psicólogo, teria submetido a pobre mulher a dezenas de sessões insuportáveis; fosse um pastor ou padre, talvez lhe fizesse cortar as rosas, pelos riscos de pecado que a beleza carrega e que o prazer engendra.

Sorte de Dona Penha que preferiu as rosas e a sua simplicidade. Desci do ônibus desconfiado de ter finalmente entendido o sentido do texto judaico-cristão quando narra o mito da origem no Éden: o jardim é a mensagem. No princípio era a beleza...

Mas um dia surgiu o teólogo que inventou o pecado e forjou um sentido negativo do texto. Encheu todo mundo de medo e culpa. E, assim, matou o jardim.

Na casa deste especialista, por certo, não havia flores.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 28/07/2018
Reeditado em 28/07/2018
Código do texto: T6403249
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