"GOTAS" DO MAR MINEIRO DE J. G. ROSA - PARTE II

2---MEU TIO O IAUARETÊ

Consta que GRANDE SERTÃO: VEREDAS (não sei na certeza... como saber?) e este conto (revista SENHOR, Rio, 1961, e depois livro ESTAS ESTÓRIAS, 1969) foram elaborados ao mesmo tempo - o primeiro se alongou demais e virou romance, o segundo, tamanho devido de uma sonata.

MONÓLOGO - tal como no romance, narrador se dirige a um ouvinte invisível. O poeta HAROLDO DE CAMPOS fala sobre este conto em seu livro "Metalinguagem" - o autor reduziu todo um torneio frásico a uma simples abreviatura enigmática, "Eu-Macumzôzo". Parece e é incompreensível: estória de um caçador de onças que narra sobretudo o seu amor por Maria-Maria, onça presente em todo o monólogo-conto. A estória avança e o onceiro teme que o visitante roube o amor de sua onça; gradativamente, vai-se transformando em onça, pois sente que o interlocutor pretende matá-lo; estertorando, isto é, agonizante ao final, sua linguagem adquire doses finais de homem-índio-onça: "Ui, ui, mecê é bom, faz isso comigo não, não me mata não... Eu-Macumzôzo... Faz isso não, faz não... Hecê! Hé... Aar-rrá... Aaáh... Cê me arrhouôu... Remuaci... Rêlucaanacê... araaá... Uhm... Ui... Uh... Uh... éeêe... êê... é... é..." A crítica inteletualizada se empolgou, não os leitores.

Terrível em JAMES JOYCE, super criativo em várias passagens de "Ulisses", explodindo a linguagem, intraduzibilíssima a palavra

"salaminyourhighhhohhhhh Helteskelterpelterwelter".

3---GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Muitas classificações, de epopeia a romance-rio (Roman-fleuve), expressão caída em desuso, significado de romance longo. Estória nada extraordinária. Ex-jagunço RIOBALDO narra a um ouvinte invisível (o mesmo do conto???) as suas estórias pelo sertão - é instruído (segundo alguns críticos, 'demasiadamente' intelectualizado... tipo cangaceiro que cursou a Sorbonne). Velho, aposentado das lutas, é um simples caipira à beira da estrada. Abandonou a vida "normal" para se embrenhar no cançaço, lutas intermináveis entre bandos para vingar mortes ou desfeitas antigas, isto através de gerações. Numa extensa narrativa sem cronologia, procura transmitir toda a saga do sertão e a mágica presença do Demônio na vida e no destino dos homens - muita gente morre, a violência campeia, ele acha tudo natural, pois o sertão é assim mesmo: "...e se Deus vier, que venha armado". Nítidas no romance as separações Bem X Mal, Deus X Demônio, Diabo considerado por muitos personagens mais importante que o próprio Riobaldo. Aí ele conhece a se torna colega de DIADORIM ("Diadorim é minha neblina") e por ele se apaixona. Ao final, com a morte de Diadorim, fica revelado que era... uma jagunça. Por causa "dele" e oscilando sempre entre o Bem e o Mal, mete-se em muitas encrencas. // VENDER A ALMA AO......... (Pois é, a Ele mesmo.) Também no século XX. De THOMAS MANN, "Doctor Faustus" - o compositor Adrian Leverkuhen (narrador é amigo dele: narrativa de memória, decorridos alguns anos dos fatos principais) deseja compor a obra prima e praticamente vende a alma ao demônio para obter a música desejada, tal como um antepassado goethiano, "Werther", vendera a alma para recuperar a mocidade - ainda WILDE em "O retrato de Dorian Gray". Ora, o jagunço RIOBALDO tem uma tarefa a cumprir, além das suas capacidades; necessário convocar a energia obscura por meio do pacto diabólico, trocar a alma pela força que realizará a missão. Conseguido o grande fim, a criação da grande música e a morte de Hermógenes, aposentadoria-prêmio para ambos: sífilis (sem cura, na época - documentada por Hipócrates no ano 600 a. C. / posteriormente confundida com lepra) para o compositor que vira idiota; nosso herói, após graves doenças e delírios, transforma-se num caipira pensativo e estéril. ----- MANN e ROSA, homens eruditos e humanistas no sentido pleno da palavra. Conclusões precipitadas?) sobre Fausto e o nazismo violento-dominador-perseguidor-destruidor. Antologia, metafísica e teologia nesta obra do autor mineiro? O certo: proporções de uma epopeia medieval, o sertão como cenário, ou canção de gesta, em que o trovador canta sua vida de aventuras para um presumível ouvinte, como leit-motiv (busca) o amor impossível por Diadorim e sua ânsia do Absoluto. ----- Romance épico medieval e dos romances de cavalaria + naturalismo no tema das peripécias do cangaço. Três planos distintos, segundo CAVALCANTI PROENÇA: a-individual, subjetivo - marchas de um espírito estranhamente mítico, oscilando entre Deus e o Diabo; b-coletivo - literatura popular (= nosso cordel), cangaceiro simile do herói medievo, dos romances de cavalaria, aclimatado no Brasil moderno; c-telúrico - mítico, elementos naturais (rio e buritis) se tormam personagens vivos e atuantes.

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LEIAM meus trabalhos "Eles viraram personagens..." e "Estudo sobre o conto A MENINA DE LÁ".

NOTAS DO AUTOR:

1-DESCENDÊNCIA DO ESCRITOR - Da primeira esposa, filhas AGNES e VILMA (que estreou o livro "Acontecências" uma semana antes do falecimento súbito do pai); não filhos com a segunda, ARACY MOEBIUS DE CARVALHO GUIMARÃES ROSA. Segundo um recorte, "Luz sobre a história", fev./2018, a TV Globo estaria preparando a série "Aracy, o anjo de Hamburgo" sobre a suposta ajuda da moça a judeus fugitivos da Alemanha nazista, enquanto outros chamam de heroísmo-mito. Nada é impossível em nosso planeta, e EU acho........

2-A figura do CAVALEIRO montado está presente em toda literatura regionalista - em JGR, protagonista de muitas estórias, entre desenhos de Luis Jadim, Poty e Djanira.

3-MEU TIO IAUARETÊ - Peça teatral - São Paulo, Teatro Paiol, atores CACÁ CARVALHO e PAULO GORGULHO, 9 premiações.

4-GRANDE SERTÃO: VEREDAS - No cinema, drama em ordem linear, monólogo regional, dizem que fatigante e numerosos combates parecendo 'gratuitos' para encher telão - não épico e sim hipíco, muitos cavalos.. sertão disciplinado e maquilado para fazer às vezes das gerais - 1965, direção dos Irmãos Pereira, destacando-se os atores MAURÍCIO DO VALLE, GLÓRIA DUARTE e MILTON GONÇALVES. / Na televisão, seriado, TV Globo, 1985, destacando-se TONI RAMOS, BRUNA LOMBARDI e TARCÍSIO MEIRA. / Projeto de BIA LESSA para peça teatral em 2017, não sei se de fato foi realizado.

FONTES:

Recortes diversos, principalmente da revista carioca MANCHETE, sem data.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 26/07/2018
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