"GOTAS" DO MAR MINEIRO DE J. G. ROSA - PARTE VI

JGR / GS: V na TV

Não, mensagem alguma cabalística......... - Matematicamente (aí é de verdade a cabala bastante mítica...), foram quase 90 dias compostos de 1 boi a cada refeição + 1 tonelada ou 1.000kg de frutas + 13.000 copos de água por jornada de trabalho + 50 litros de sangue cinematográfico / entre 259 e 2.000 profissionais......... no universo mágico de JOÃO GUIMARÃES ROSA, autor desnorteante, o maior poeta dramático da nossa língua. --- Amor trágico e aparentemente proibido de RIOBALDO (o Tatarana, lagarta de fogo) e DIADORIM (Maria Deodorina). Tempo antigo de províncias mais ou menos poderosas, ideias federativas, a ordem nas mãos dos 'exércitos' de jagunços contra o governo. No romance, missão do autor em desnudar a contradição do homem e sua busca metafísica, assim como alterar todo um vigente conceito da linguagem literária e enfrentar a forma das palavras. --- Romance estonteante de imagens e linguagem. Primeiro impacto para as filmagens televisivas de GRANDE SERTÃO: VEREDAS? Onde achar a geografia da narrativa? Mineiramente falando, "sertão é sertão, uai!" Sertão entre realista e mágico, mais este que aquele, pois é, "um rio largo e profundo que não chega a lugar nenhum"... O diretor redescobriu o sertão do João e '"escutou" a fala de Riobaldo: "Assim eu acho, assim é que eu conto." E a escolha do elenco? (O Rosa aprovaria?) A heroína, "olhos verdes, intensos, profundos, cílios alongados, nariz bem feito, pele clara" - escolhida a atriz sensível que busca as coisas sensíveis, despojada para filmar no verdadeiro, áspero e bravio sertão. Herói um tanto urbanizado, não sertanejo autêntico, identificado integralmente com a jagunçada - encontrado o ator maduro para personagem contraditório. Cara muito brasileira, ator duplamente forte e versátil para fazer o terceiro membro da trilogia Bem (Riobaldo), Mal (Hermógenes) e Sonho (Diadorim).... Do amor que ele sente pelo 'companheiro', surgem todos os conflitos de Riobaldo, ambos atuando no bando de Joca Ramiro, e torno de quem gira a jagunçagem e também Hermógenes. --- A feliz 'viagem' ds atores-protagonistas e adaptadores: cheio de inquietações, Riobaldo /personagem fértil em emoções/ desenhou as faces desses sertões, as veredas - caminhos de fuga -, estórias correndo em trilhas de dúvidas e reflexões, o mundo interior muito mais na ponta das suas indagações que na do seu fuzil. Ator, estigmatizado como intérprete do herói sempre "bonzinho", certinho e vencedor, sem querer assimilara preconceitos e de repente se viu ante um outro herói, quase pelo avesso - mergulhou fundo no personagem e não se afogou em momento algum - fez aulas de equitação, treinamento militar, prosódia, expressão corporal, emagreceu e... sobreviveu, --- A atriz principal tentou desesperadamente compreender em que o diretor se baseava, o que precisaria treinar, mas havia uma força interior, onde enxergou clareza e segurança, e não recusou o papel de Diadorim; assumiu mais tarde que no sertão vivera "a mais extraordinária aventura da minha vida." Amparo na coragem da personagem, a atriz perdeu medos e mergulhou na personagem que nega condição feminina para escapar ao destino de ser violentada, prostituída, morta ou ser uma nulidade sem voz - foi forte e se impôs no mundo masculino. A dor da personagem foi uma renúncia ao que deixou de viver. --- Os adaptadores da obra também tiveram temores, uns dois meses de medo e hesitação: VEREDAS metaforicamente uma cebola, tirar 'cascas' de fora para dentro. Sobretudo, maravilhosa estória de amor que fala, a meio susto, de homossexualismo (consta que ideia inicial, porém a auto censura gerou obra muito melhor). A principal leitura do livro é o destino, não no sentido fatalista, mas o destino feito pelo meio social e suas circunstâncias - na formação do destino, existem as nossas próprias limitações, os preconceitos, a nossa pequenez - é a luta que Riobaldo trava consigo mesmo para ser feliz. --- Transformar a narrativa de JGR em diálogos, tarefa dificílima... assim como trazer para a telinha o sentimento do autor, o clima da região, a procura interior de Riobaldo, seu amor.

PERSONAGENS - quem é quem... --- 1-RIOBALDO - o mais importante personagem; filho de Rigri; na adolescência, trava amizade com o jovem Reinaldo, que desde aí o impressiona, mas, com a morte da mãe, é levado para a Fazenda São Gregório, e seu padrinho Selorico Mendes, perdendo contato com o companheiro. Neste período, estudante das primeiras letras, conheceu Joca Ramiro e seus chefes de bando, mas se mantém distante da jagunçagem. Um fato inesperado o leva a fugir e se torna professor e secretário de Zé Bebelo, acompanhando-o nos combates contra os jagunços, porém, numa permanente inquietação, deixa os bebelistas; reencontra Reinaldo, o Diadorim, e juntos seguem viagem, criando por ele uma estranha afeição, "...de amor mesmo, mal encoberto em amizade." / 2-REINALDO/DIADORIM - um homem bravo, jagunço valente, fiel a Joca Ramiro. Nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor..." - adolescente, morava com o tio num lugar chamado Os Porcos: sempre calça de couro e um jaleco; homem, aliado a jagunços, sem intimidade; olhar profundo, cílios longos, esconde o destino de mulher e segue numa terra de valores masculinos dominantes: na verdade, Maria Deodorina da Fé Bittencourt Marins. / 3-HERMÓGENES - não se sabe ao certo de onde vem, o que pretende como chefe de bando, tem fazendas de gado na Bahia, casado, filhos, compadre de Joca Ramiro e de Ricardão, não tem prestígio político e não conta valentias, é extremamente feroz nas suas ordens, tipo estranho aliado ao Mal, "era matador - o de judiar de criaturas filhos de Deus - feião do mal". / 4-JOCA RAMIRO - chefe geral, centro da jagunçagem, líder carismático, presença sempre esperada e festejada, "A gente tinha até medo de que, com tanta aspereza da vida, do sertão, machucasse aquele homem maior, ferisse, cortasse. E quando ele saía, o que ficava mais, na gente, era a voz. (...) Uma voz que continuava." / 5-SÔ CANDELÁRTO - chefe de um sub-grupo, baiano bondoso, preocupado com a morte, nunca ri, compadre de Joca Ramiro e de João Goanhá, homem de briga valente, "...em honra de fogo, pulava à frente de todos, bramava o burro", não gosta de Hermógenes. / 6-ZÉ BEBELO - inteligente, valente, político, apressado, irrequieto, feliz, grupo de quase mil homens armados com aparente apoio ao Governo para acabar com os jagunços no sertão - intenção real é entrar para a política, ser delegado. / 7-JOÃO GOANHÁ - chefe de um sub-grupo, homem simples, ar de sonso, compadre de Joca Ramiro e de Sô Candelário, "mesmo ignorante analfabeto, de repente ele tirava, não sei de onde, terríveis mindinhas, ideias. mortes diversas". / 8-TITÃO PASSOS - coração grande, ponderado, de pouco falar, muito amigo de Joca Ramiro, "...era o pelo preço de amigos; só por via deles, de suas mesmas amizades, foi que de tão alto se ajagunçou". / 9-MEDEIROS VAZ - dono de grande fazenda, ateia fogo na casa com a chegada das guerras, reúne gente de coragem e sai para impor justiça - se parentes ao conhecer Joca Ramiro acha que este é o único homem capaz de tomar conta do sertão. / 10-MARCELINO PAMPA - mais velho do bando, bom caráter, modesto, chefia a jagunçada num certo tempo. / 11-RICARDÃO - simpático, famoso, rico, fazendeiro, vive pensando em lucros, compadre de Joca Ramiro e de Hermógenes, manda neste. / 12-ALARIPE - jagunço, grande amigo de Riobaldo com quem pensa em dividir segredos. / 13-Outros jagunços: Fafafa, Jaspe, Capixum, Antenor, Lacrau, Jiribide, João Vaqueiro, Sesfredo, Felisberto, Quipes, Raimundo Lê, Dosmo, Gavião, Admeto e João Peludo. / 14-Participações episódicas de atores-personagens: Otacília, Compadre Quelemen, Maria Mutema, Padre Ponte, Padre Missionário, Ana Dazuza e Nhorinhã. / 15-Outros, atores-personagens, por ordem de entrada em cena: REINALDO / criança, RIOBALDO / criança, jisé Simplício, Selorico Mendes, Padre Exorcista, Mestre Lucas, Rosa Uard, Bigri, Vizinho, Vagabundo, Mulata, Firmiano, Malinácio, Leôncio Du, Garanço, Fonfredo, Fulorêncio, Fancho Bode, Aristides, Nhô Vô Anselmo, Sô Amadeu, Jô Engrácio, Mãe de Jô Engrácio, Rudgério Freitas, Freitas Filho, Freitas Filho II, Teofrásio, Guirigó, Seo Habão, Maria do Padre, Borromeu, Seo Ornelas, Nhô Constâncio Alves, Maria da Luz e Hortência. / E mais: Seminarista, homem do povo, cabra de Zagaia, soldado, capanga, coiteiro, cabo, violeiro, sanfoneiro, prostituta de luxo, prostituta bonita, prostituta rezadeira, vendeiro, menino da cana, moça, vaqueirinho, Deodato, Izinho, boiadeiro, neta de Seo Ornelas, mulher de Hermógenes, Zabudo e........ outros.

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NOTA DO AUTOR:

GRANDE SERTÃO: VEREDAS - Em livro, romance regionalista, lançado inicialmente em 1956, edição definitiva em 1958; no cinema, drama linear, monólogo regional - 1965; na tevê, seriado, TV Globo, 1985; no teatro, SP, Teatro Paiol, 1986; no rádio, peça radiofônica, Rádio Cultura FM, 2006.

FONTE:

"No universo mágico de Guimarães Rosa, o bem, o mal e o sonho se defrontam" - Rio, jornal O GLOBO, 17/11/85.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 26/07/2018
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