Vozes Caladas
Foi tudo muito rápido. Em instantes o vento passou mais devagar, a visão ficou turva, o corpo não sabia como responder. Empurrada por pessoas de todos os lados, nada a incomodou como aquele toque específico. Um estranho. Um homem. Covarde. Sem qualquer pudor, ciente da completa ausência de julgamentos, de punição. Punição social e legal. As pessoas e instituições estavam com ele. Achou uma brecha. Uma vítima. Um tumulto. E como quem não via o que fazia, não entendia o que acontecia, agiu deliberadamente contra ela. Dolosamente. Sem chance de resistência. Sem possibilidade de responder. De reagir.
Tomada pelo medo, pelo susto, pelo constrangimento. Foi assim que ela saiu da situação. Sem poder gritar. Sem poder retrucar. Ele era duas vezes o seu tamanho. Fisica e socialmente. Ninguém acreditaria nela. Seria histérica. Não saberia aceitar carinho. Elogio.
Ela saiu andando rápido. Como se alguém a perseguisse. Como se fosse ser alcançada por algo a qualquer momento. Como se, a qualquer momento, fossem a pegar pelo braço e arrastá-la. Quando parou e pode respirar, percebeu que, na verdade, tentava fugir de seu próprio corpo. Daquele momento. Do nojo que sentia. Da vergonha escancarada em seu rosto. De si mesma.
Não conseguia entender porque as coisas funcionavam assim. Mas se perguntasse a qualquer outra mulher que também esperava ônibus no mesmo ponto, provavelmente, ela também não saberia responder. Nenhuma de nós sabemos responder porque temos que nos sujeitar todos os dias, o tempo todo, a essa e outras situações ainda piores simplesmente por sermos mulheres.