...Todas as mulheres

Gertrude era uma espécie de Poe glamourosa. Com o mesmo sorriso iluminado de M. Monroe. Rita não gostava de ser diferente. Gostava das coisas simples como o pomar e o crisântemo. Jurema bebia riquezas e esplendores. Luiza morava próximo da estrada asfaltada no relance da antiga rua estreita onde marcavam hora debaixo da estrela. Gertrude curtia o ciúme como objeto da vigilância. Jurema era discreta. Lú, desligada do fato. Havia Nice com o “N” místico e a voz fraca. Roxana possuía voz estridente e roupas coloridas. Miúra acabaria por traçar um retrato de resmungadora, quem diria, com o passar dos anos... Retornaria alada ao alegre fluxo das lembranças metida nas roupas de lã por onde flutuava o ar gelado do inverno.

No parque Artemisa passeava com seus patins vermelhos em seus mais belos dias de cinema. Tudo revivido num instante. Ponto esse em que as recordações não evitam o ócio, nem são capazes de deter a curiosidade provocante. É a noite quem revela a reprodução das imagens quentes que a saudade remonta às vezes muita fria até a consciência. No levantamento conjugal procurava evitar qualquer lance de drama épico ao contrário das novelas usuais. Nada de paixão ferida, uivante. Virava a página do amor sem grandes ressentimentos. Sem pendências. Buscava um número total como se o algarismo representasse a razão de tantos anos. Sempre sentia fabricar um novo amor que era comum a todas elas. O amor pela qualidade do encanto desses momentos bem vividos. Havia uma espécie de unidade perdida e ao mesmo tempo outro sentimento contíguo metido no perfume disfarçado. Eco perdido entre a inteireza reconfortante em todos os sentidos vasculhados. Almas que tocaram os sentidos deixando-lhe apenas com o retrato elaborado pelo transcurso do tempo. Misto de perdão inacessível contra a pimenta do desejo implacável. Brindou sozinho, dizendo: Amar muitas mulheres não é traição, é rendição! E que maldita culpa poderia haver nisso? Se a vida fosse uma colagem, lamentou, tudo estaria próximo. Tudo aquilo separado se uniria. Decerto Naná ficaria na Cidade Baixa. Débora na Redenção. Mima na Bahia. Todas na saudade colhida das vinte e duas horas em plena chuvarada. Mara reunia luzes à fotografia nítida dos pensamentos secretos. Reconhecido primeiro em Sônia. Esses raios da unidade física cujo efeito dos beijos acalmavam a fúria do tempo. Esse destino inexplicável em que a alma e o corpo se unem num silêncio de pedra. Restaria a efígie na sombra distante das janelas duplas.

Na sexta dose observou três poltronas, três moças, três coquetéis, três comentários de como a noite andava deslumbrante, apesar de fria. Até o gaiato com bigode de espuma lhe parecera familiar sem nunca ter estado ali antes, muito antes desse aniversário fatídico da paixão lírica. Sem se empolgar pela proximidade efervescente da noite, nem o ruído dos clientes, bebia calado olhando para todos e reunia ali mesmo os seus restos. Restos de amores extintos. Respirava novamente os resíduos narcotizantes do passado por suas bases reais serem nulas e as existências aprisionadas. De repente cantou a primeira canção mofada do seu tempo. O bar calado, parado, ouvindo, acompanhando a prodigiosa alegria nascida sem se saber de onde e bem por isso todos juntos unidos esperando que isso acontessece.

Ali estava um momento de paz da humanidade atormentada.